sexta-feira, fevereiro 23, 2018

(DL) Quando Saint-Exupéry inventou o Principezinho


A exemplo do «Peter Pan» de J.M. Barrie, que surgira como forma de catarse do autor pela morte do irmão e assim dar à mãe, que o preferia, um substituto de compensação, também «O Principezinho» de Saint-Exupéry é obra, que nasce do luto do escritor para sempre marcado pela morte de François, seu irmão mais novo, em 1917, vítima de reumatismo articular e cujo sofrimento acompanhou com um sentimento de impotência, sentindo pela primeira vez o significado do irreparável. Pode-se pois dizer que os dois romances acabam por ser os testemunhos de um sofrido amor fraterno, que traduz em palavras a dor da ausência.
O sucesso de um e de outro é distinto: o do autor escocês pode considerar-se razoável, enquanto o de Saint-Exupéry revela-se tão excecional, que é tido como o segundo mais vendido, e lido, por todo o mundo, depois da «Bíblia».
O autor nasceu em 1900, teve o batismo de voo em 1912, mas só verdadeiramente iniciou o percurso de aviador em 1923 já no serviço militar, permitindo-lhe juntar-se a essa prodigiosa aventura, que foi a Aeropostale a partir de 1926. Singrou os céus africanos e sul-americanos durante os anos seguintes para garantir essa tarefa, hoje prosaica, de fazer chegar a correspondência aos seus destinatários, mesmo que isso implicasse atravessar desertos ou perigosas cadeias de montanhas. A experiência deu-lhe matéria para livros em que a relatou coloridamente de «Voo Noturno» em 1931 até ao aclamadíssimo «Terra dos Homens» em 1939 sem esquecer o «Piloto de Guerra», já durante o conflito em que viria a morrer e para que se alistara como civil.
«O Principezinho» foi escrito em 1942, quando estava exilado nos Estados Unidos a utilizar todos os meios ao seu alcance para alimentar o esforço coletivo de levar a grande potência de além-Atlântico a envolver-se na derrota do fascismo. O editor norte-americano pretendia potenciar-lhe a fama com um novo romance, que pudesse aumentar o enorme prestígio auferido com os títulos anteriores. Mas outra razão presidira a essa encomenda: a mulher desse editor apercebera-se de quão depressivo estava o estado de alma do escritor, inconsolável com a forma como a França fora derrotada pelos exércitos alemães e vivendo cada vez mais isolado até pela escusa determinada em aprender inglês. Daí a proposta para uma história agradável, que o libertasse de tão impressiva tristeza.
O livro seria publicado em 1943 em duas edições simultâneas, uma em francês e outra em inglês, mas só conheceria edição francesa e sucesso global após a morte do autor no final da guerra. E explicável por se tratar de um livro destinado a todas as idades: um adulto pode lê-lo na perspetiva do narrador, uma criança na da personagem, que lhe dá o título. E reside nessa fácil empatia do leitor com o texto o segredo da magia, que ainda continua a suscitar.

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