quinta-feira, fevereiro 08, 2018

(DIM) «A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça» de Tim Burton (1999)


O projeto para a produção de «A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça» começa em 1993, quando Kevin Yagher, o diretor de caracterização da série televisiva «Tales from the Crypt», considerou a possibilidade de, ele próprio, dirigir a versão cinematográfica de «Sleepy Hollow», um conto que Washington Irving escrevera em 1820.
A ambição não era muita e a ideia era concretizá-la num filme de baixo orçamento com profusão de cenas sangrentas de cinco em cinco minutos para agrado das plateias adolescentes dos cinemas norte-americanos na altura em que essa classe etária tinha empurrado os pais e os avós para os sofás caseiros, privando a indústria de Hollywood do tipo de consumidores mais exigentes, que justificavam a criação de filmes com outro tipo de preocupações.
Nos anos seguintes Yagher contou com a ajuda de Andrew Kevin Walker para transformar o conto, que por si mesmo não continha matéria suficiente para preencher uma longa-metragem, numa história que fizesse sentido e contivesse personagens credíveis. Ichabod Crane deixava de ser um professor do Connecticut para se transformar num detetive malvisto em Nova Iorque, por querer impor métodos de investigação científicos, que os colegas não estavam dispostos a adotar.
Apresentado à Paramount como projeto passível de ser financiado, «Sleepy Hollow» logo saiu do controle dos proponentes, que continuaram ligados a ele apenas como argumentistas e como responsáveis da caracterização dos atores. O estúdio quis transformá-lo numa grande produção, associando-se à American Zoetrope de Francis Ford Coppola.
Em junho de 1998 Tim Burton, que tinha saído da turbulenta produção de «Superman Lives», foi contratado para dirigir o filme, cujo tema vinha ao encontro do seu consolidado gosto por ambientes sombrios, desde cedo incrustado pelos filmes da Hammer Films Productions e de Roger Corman nos anos 60. 
Embora não creditado no genérico foi contratado Tom Stoppard para aprimorar o argumento dando-lhe a consistência, que Burton ainda nele não encontrava.
Quando se passou à escolha dos atores, os estúdios pretendiam que Burton acolhesse Brad PittLiam Neeson ou Daniel Day-Lewis para o papel de Ichabod Crane, mas ele impôs Johnny Depp com quem já trabalhara em «Eduardo Mãos de Tesoura» e «Ed Wood». E foi uma excelente escolha, porque o ator aprofundou o lado delicado do personagem, que se revela demasiado frágil face à força revelada por Katrina, que Christina Ricci interpreta.
Inicialmente deveria ser Winona Ryder a contracenar com Depp, mas o relacionamento entre ambos já estava complicado e ela escusou-se. Foi uma daquelas situações em que a alternativa se revelou melhor do que a original, porque a atriz que conhecêramos na «Família Adams» crescera, mas mantivera um rosto expressivo, cujas reações dão ao desempenho o carácter pretendido.
No plano estético, o filme é tido como um dos melhores exemplos da cultura gótica com contínuas referências cinéfilas. Numa das mais evidentes – a cena em que o pai de Ichabod mata a mulher enfiando-a num instrumento de tortura – é a «Máscara do Diabo» de Mario Bava, que surge explicitamente reproduzida.
Há também a exploração do tema da identidade da América, então ainda uma jovem nação, dividida entre a memória presente do passado sangrento, pejado de superstições, e um futuro que se apresenta como radioso. Ichabod Crane representa o progresso, negando as suas origens ao recalcar as recordações infantis (sobretudo a da amada mãe, assassinada por feitiçaria), mas trazendo-as de volta por influência da sugestiva Árvore dos Mortos, símbolo dos demónios do passado capazes de tanto influenciarem o presente.
Logo no genérico temos de Sleeepy Hollow a imagem soturna de um ambiente marcado pelo obscurantismo, que será totalmente contraditória com a do final, quando Ichabod e Katrina avançam pelas ensolaradas ruas de Nova Iorque, bem representativas do progresso então em acelerada afirmação. Embora não negando a parte de irracional, que reconhecera na realidade, Ichabod avança confiante no triunfo da racionalidade. E essa é a sugestão que o filme assume quando se conclui.

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