quinta-feira, fevereiro 22, 2018

(DL) Quando Hermann Hesse se rendeu á Natureza!


No fim da adolescência tive um enorme prazer na leitura de «Siddhartha», o romance de Hermann Hesse sobre as opções de vida de Buda e que correspondiam às preocupações de então sobre quem verdadeiramente era dentro do invólucro corporal, que o escondia.
O tema não persistiu durante muito tempo nas minhas preocupações, porque mais interessante do que o umbigo era tudo quanto à sua volta se passava. Vencida a fase narcísica dediquei maior atenção à forma como poderia dar modesto contributo para que, politicamente, a realidade se aproximasse um poucochinho da utopia igualitária, que nunca mais abandonei como ideal.
Mas vale a pena recordar esse escritor, que alguns ainda continuam a apreciar e outros os dão como datado e pronto a descontinuar das bibliotecas. Algumas das suas melhores obras - que lhe valeriam o Prémio Nobel da Literatura em 1946 - foram escritas depois de se mudar para Ticino, o cantão suíço de língua italiana, situado na vertente sul dos Alpes, e onde procurou encontrar a natureza no seu mais expressivo fulgor. Inspirado por essa magnificência natural, pela serenidade e os contrastes da paisagem, encontrou à beira dos seus lagos um equilíbrio interior que contribuiria para lhe fundamentar a dimensão espiritual da obra.
A primeira estadia na região aconteceu em 1907, quando foi passar férias em Ascona, nas margens do Lago Maior, deixando a família na Alemanha. Queria que o não perturbassem na superação do bloqueio criativo que o impedia de escrever. Apesar de ser hoje uma cidade balnear muito turística, Ascona era muito primitiva na altura em que Hesse ali viveu: era terra de pescadores e de lavadeiras, com casas muito espartanas. Mas numa colina, que dominava o lago, havia uma comunidade de artistas e de livres-pensadores em que Hesse se integra. Eram precursores dos hippies, pois praticavam o vegetarianismo, o naturismo e o amor livre.
Hesse conheceu com eles uma total mudança na forma de encarar o mundo. Ele que chegara ali tendo no currículo alguns romances biográficos e realistas, orientar-se-ia doravante para a exploração dos sentimentos mais íntimos e panteístas. O homem citadino descobria-se explorador dos recantos mais inacessíveis da paisagem, que o rodeavam, descobrindo-lhes os encantos, as especificidades de inesperados microclimas.
Em 1919 deixou definitivamente a família e elegeu domicílio à beira de outro lago, o Lugano, onde explorou as tradições rurais com os seus valores, que enalteceu como sendo os mais genuínos e calorosos. Foram eles a devolverem-lhe a magia poética presente na juventude e depois abandonada. Montagnola, a aldeia em que se instalou, seria o refúgio até à morte. Cinco anos depois ganharia a nacionalidade suíça que o colocaria ao abrigo das ameaças nazis, seus inimigos de estimação. Além da escrita, descobre uma nova vocação como pintor, atividade que ganharia relevância crescente nos seus dias e hoje disponível para a apreciação de quem for à procura do museu local.

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