quinta-feira, fevereiro 01, 2018

(DIM) «Eduardo Mãos de Tesoura» de Tim Burton - documentos de apoio a uma sessão na Associação Gandaia (1)

Primeiro dos oito filmes que Tim Burton rodou com o ator Johnny Depp - que viria a tornar-se num dos seus melhores amigos -, «Eduardo Mãos de Tesoura» é um conto de fadas moderno em tons sombrios e fantasiosos. Espécie de fábula moderna, replica antigas histórias de terror bem conhecidas como o foram «Frankenstein», «A Bela e o Monstro» ou «O Fantasma da Ópera», dando-lhes aparência mais sedutora  com a ajuda da música de Danny Elfman, que tanto contribui para mergulhar os espetadores numa ambiência encantatória. Nesse sentido, por repetir-lhes as intrigas, «Eduardo Mãos de Tesoura» dá razão a Wim Wenders, quando defende já terem sido contadas todas as histórias, só havendo agora que as replicar tão originalmente quanto possível. A exemplo das citadas temos um monstro dotado das mais elevadas qualidades morais, mas objeto da incompreensão e do preconceito dos que os obrigarão a manter-se numa tenaz postura antissocial através da reclusão.
Recordando a infância em Burbank, Tim Burton satiriza as pessoas, que tudo fazem para disfarçar os defeitos e esquisitices, apresentando aos vizinhos e aos conhecidos uma imagem idílica das suas vidas, suscetível de lhes causar inveja. Trata-se de gente tão obcecada por ser socialmente aceite, que tudo faz para se enquadrar nos padrões tidos como aceitáveis para a integração no grupo. Daí caírem frequentemente no ridículo, sobretudo por alimentarem comportamentos contraditórios em relação ao que desconhecem, ao que lhes é novo: ora sentem-se seduzidas, ora podem transformar-se nos seus mais pérfidos algozes.
Curiosamente o bairro onde grande parte do filme foi rodado não foi montado em estúdio, porque existia na realidade nos arredores de Tampa. Uma das bem sucedidas opções de Burton foi pintar-lhe as casas, esvaziá-las dos seus ocupantes que se transferirem para hotéis durante a rodagem e ocupando-as com as equipas de produção e de realização, bem como com os atores. Nestes, os estúdios sucessivamente envolvidos no financiamento, começaram por sugerir Tom Cruise, Robert Downey Jr. e até Michael Jackson como protagonistas, mas o realizador impôs-se-lhes e contratou Depp, que andava a fazer séries para adolescentes na televisão.
Thomas Bourguignon, crítico de cinema do «Positif», olhou para o filme como tratando-se de um conto de fadas moderno em que o herói sai do isolamento para cumprir um percurso iniciático tendente a gerar-lhe a metamorfose redentora (como se fosse crisálida obrigada a tornar-se em borboleta). Peg faz o papel de uma fada boa, decidida a enquadrar Edward no mundo dos homens com a varinha mágica  transmutada de um lápis de maquilhagem.
Kim, por seu lado, é a bela princesa a conquistar, enquanto as vizinhas de Peg são as feiticeiras más de cujas reuniões telefónicas resulta uma ameaçadora tela de malefícios.
No entanto, e contrariamente ao que costuma acontecer nos contos de fadas clássicos, Edward não consegue completar a metamorfose. Se a integração começa por esboçar-se no talento para esculpir sebes e árvores, logo complementado para o seu papel de cabeleireiro da moda, acaba por, depois de rejeitado, reciclar-se como artista do gelo, cuja pureza está inevitavelmente associada à imobilidade.
Ele falha, igualmente a iniciação sexual, conformando-se em criar, em vez de procriar: se não fecunda os corpos, procura ser melhor sucedido com os espíritos, ofertando-lhes a beleza e a pureza, com que se possam criar um mundo novo. A sua função deixará de ser a de viver entre os humanos afastando-se como alternativa para descobrir-se, para ser artista.
Segundo Antoine de Baecque, a angústia urbana moderna é vista pelo ângulo inédito do conto de fadas e dos camponeses do século XVII, mesmo que na aparência de subúrbios norte-americanos. Os que tentam ajustar Edward à sua norma, acabam por ser-lhe intolerantes ao consciencializarem o seu fracasso.

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