quinta-feira, fevereiro 22, 2018

(DL) «Digam-me como é uma Árvore» de Marcos Ana


Marcos Ana passou vinte e três anos nas prisões franquistas tendo nelas ganho estatuto de símbolo enaltecido por milhões de antifascistas, que se mobilizaram pela sua libertação. Isso acabou por acontecer em 17 de novembro de 1961 permitindo que um homem, que entrara adolescente nos antros da ditadura, deles saísse já quarentão e com tudo para aprender sobre a vida fora das limitações das grades.
Fernando Macarro, seu verdadeiro nome, nascera numa pobre família de camponeses sem terra, que alugavam a força dos seus braços aos latifundiários. A pobreza fizera-o receber com imensa esperança a Republica implantada, quando tinha apenas onze anos. Mas a irmã, Margarita, que era empregada doméstica na cidade, instruíra-o quanto às potencialidades daquela revolução antimonárquica. Terá sido, pois, com naturalidade que, aos 16 anos, tornara-se militante da Juventude Socialista, ansioso por se tornar aquilo que Gorki designara como Homem com H grande.
Foi nesse ano de 1936 que, perante a vitória eleitoral dos partidos da Frente Popular, irrompeu a insurreição franquista, a princípio tida como uma aventura militar sem consequências. Em Alcalá de Henares, onde vivia, os franquistas foram derrotados em vinte e quatro horas.  Mas, um ano depois, a situação invertera-se e o próprio pai do autor, morreria durante um bombardeamento da aviação alemã a 8 de janeiro de 1937.
A derrota final apanha-o em Alicante onde já não consegue chegar a tempo de embarcar no navio, que o poderia levar para o exílio. Seguir-se-ão meses de fome e sede nos sucessivos campos de concentração organizados pelos golpistas para decidirem o destino a dar a tantos milhares de prisioneiros. De um deles, Marcos consegue escapar-se ao fingir-se com apenas 16 anos e apanhado inocentemente no meio das vicissitudes de um conflito de que dizia nada compreender.
A esperança de liberdade dura pouco tempo, apesar do apoio que lhe dão a irmã e alguns amigos, que o escondem num sótão madrileno: denunciado por um ex-camarada, que se tornara informador da polícia, volta a ser capturado e enviado para a sinistra prisão de Porlier onde todas as noites os carrascos escolhiam  aleatoriamente aqueles que mandavam fuzilar sumariamente.
O livro torna-se, então, num relato de muitas estórias de prisioneiros: aquele que não alertou para a morte do companheiro de cela para que, enquanto o logro não fosse descoberto, alimentar-se com a magra ração distribuída aos dois. Ou o que, apesar de alertado para que o não fizesse, costumava acercar-se das grades para espreitar o exterior e morreu com um tiro entre os olhos disparado por quem se incumbia de impedir tais veleidades.
Em 1941 é conduzido a Conselho de Guerra e o veredicto é dado como definitivo: condenado à morte. A preocupação deixam de ser os percevejos, mas a de mostrar um porte orgulhoso no momento da execução. O terror era constante, sobretudo quando caía a noite e se sabia iminente a vinda do pelotão, que viria buscar os designados para serem prontamente assassinados. Alguns dos que viviam nesse sobressalto permanente enlouqueciam, incapazes de conterem a ansiedade.
Julgado num segundo processo em princípio de 1943, Marcos Ana recebe a segunda condenação à morte, acrescidos de mais trinta anos de prisão, quando lhe descobrem o jornal clandestino com que procurava incentivar o ânimo dos companheiros de infortúnio.
A descoberta de um novo plano de fuga leva os algozes a transferi-lo para a prisão de Ocaña, onde recebe a notícia da comutação das penas de morte em sessenta anos de prisão.
“ As condições de vida no presídio de Ocaña, muito húmido e frio, eram duríssimas. Os presos mal alimentados, sem defesas, contraíam muitas doenças” (pág. 138), muitas delas mortais.
É nessa altura que, por breve período, deteta uma súbita mudança no comportamento dos guardas: Hitler via os seus exércitos derrotados em Estalinegrado e os vencedores da guerra civil começaram a temer que a relação de forças se virasse contra si. Mas Marcos Ana tem pouco tempo para saborear esse alívio nos rigores carcerais, porque logo o mandaram para a prisão de Burgos, conhecida pelo terrível «pátio das quatro acácias», onde tantas centenas de prisioneiros tinham sido fuzilados sem qualquer julgamento.
A prisão deu-lhe, porém, a oportunidade de conhecer e, depois, amar a poesia. Alberti, Machado e Neruda inspiram-no a imitá-los e será na condição de escritor, que virá a ser conhecido um pouco por todo o mundo. Os seus versos passarão as grades das prisões e será a voz que clama contra a tenebrosidade da Espanha fascista.

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