segunda-feira, fevereiro 26, 2018

CINECLUBE GANDAIA: «Os Homens Preferem as Loiras» ou como Marilyn foi mais do que um sex-symbol


O março cinematográfico na Associação Gandaia vai ter como protagonista Marilyn Monroe, escolhendo da sua filmografia aqueles títulos em que ela nos andou a divertir. E a primeira pergunta, que se justifica colocar a seu respeito é esta: faz sentido celebrá-la a sessenta anos de distância?
A nosso ver a resposta é plenamente afirmativa, porque sendo esta a época em que, a pretexto da luta contra o assédio sexual, as mulheres ocidentais andam a reivindicar um estatuto de maior equidade e de respeito em relação à atávica dominação masculina, faz todo o sentido analisar a forma como o mito Marilyn perdura e se enquadra nesta nova realidade. Porque ela é vista por muitos, nomeadamente pelas feministas mais radicais como o paradigma da mulher bonita e tonta, que existia exclusivamente para usufruto da libido misógina.
Que as nozes são bem mais do que as vozes iremos ver caso a caso, ao longo de cinco excelentes filmes. E o início é logo em grande com «Os Homens Preferem as Loiras», a única comédia musical que Howard Hawks assinou e baseado num romance de sucesso de Anita Loos, publicado em 1925.
Mais não fosse para assistir à antológica interpretação de Marilyn de vestido cor-de-rosa a cantar que os diamantes são os melhores amigos das raparigas e a deslocação para ver o filme num ecrã de cinema já valeria a pena. Mas há muito mais neste título que o alemão Rainer Werner Fassbinder elegia para a sua lista dos dez melhores filmes de todos os tempos. Há por exemplo essas duas facetas do eterno feminino, encarnadas por Marilyn e pela exuberante Jane Russell, então no auge da fama pela ligação ao magnata Howard Hughes. Imperdível é a cena em que esta imita Marilyn na sessão de tribunal onde a amiga está a ser julgada como ladra. É jubilatória essa interpretação de uma personalidade frívola, incrivelmente sedutora e falsa.
Onde cai pela base a tal imagem, que o maniqueísmo quis transformar numa caricatura lamentável do que é ser Mulher, está no facto de Marilyn e Russell personificarem caracteres fortes e independentes  perante os comparsas masculinos, eles sim caricaturados sem possibilidade de redenção, na sua cobardia, lascívia babada ou falsidade. O poder feminino assenta aqui na capacidade de disfarçar a superior inteligência em sorrisos convidativos, que desarmam os incautos “sedutores”.
“Façamos-lhes crer que somos estúpidas para melhor os controlar» é o credo de Dorothy e de Lorelei, que mostram uma solidariedade inquebrantável. Os homens são reduzidos a cretinos, que pensam sempre com a metade de baixo do corpo, pondo o minguado cérebro de férias.
Um dos melhores diálogos do filme terá sido até da lavra da própria Marilyn: “posso ser inteligente quando é necessário, mas a maioria dos homens detesta isso”.
Esta sátira sobre as relações entre homens e mulheres, com estas a dominarem-nos mediante a sensualidade de um erotismo, realçado pelas cores vivas da fotografia, não só desafiava o puritanismo dos censores de Hollywood (e não só!) mas é, igualmente, a primeira demonstração neste Ciclo de quanto, parecendo o contrário, Marilyn ilustrou como a inteligência feminina pôde exprimir-se de formas equívocas na História do Cinema.

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