sábado, fevereiro 17, 2018

(DL) «Essa puta tão distinta» de Juan Marsé (2016)


Parece um policial político mas é bem mais do que isso: o romance mais recente de Juan Marsé tem a ver com as dificuldades criativas de um escritor ambicioso confrontado com o inevitável banho de realidade. A benefício do seu inventário até conta com alguns romances, que lhe terão dado fundamentadas expetativas quanto a andar a construir uma sólida obra literária, mas a encomenda de um argumento para ser filmado - economicamente muito generosa e chegada em altura oportuna - pô-lo-á no dilema entre o que melhor convém ao seu projeto enquanto escritor ou o que os clientes dele esperam.
O tema da história é o de um crime perpetrado pelo velho projecionista que terá estrangulado uma prostituta no seu exíguo local de trabalho, enquanto os espectadores viam Rita Hayworth no papel de Gilda. Após o ato, de que se lembra, o criminoso esquece o motivo que a ele o conduzira. Será esse o ponto de partida para que o protagonista indague sobre o homem e a sua vítima de forma a esclarecer a causa do súbito ato de loucura. Mas as pressões não cessam de lhe condicionar o trabalho, oriundas ora de um antigo realizador, agora politicamente influente, até um outro, que assinara um conjunto de filmes eróticos de baixo orçamento, culminando nos produtores, apenas movidos pela possibilidade de conseguirem um bom retorno para o investimento. Nem que para tal a história se restrinja a uma sucessão de cenas violentas e de sexo puro e duro. Ora o escritor até consegue chegar à razão para ter ocorrido o crime, mas ela não é suficientemente atrativa para garantir uma história suficientemente palpitante capaz de suscitar o interesse de multidões de espectadores.
Nos telefonemas que lhe fazem os produtores são taxativos: que o protagonista se deixe de literatices, que só pretendem uma receita para o sucesso.
 Juan Marsé explora a empatia crescente entre o velho e o escritor, acrescentando a perturbadora presença de uma mulher a dias bizarra, autêntico grão de areia na lubrificada engrenagem em que tudo parece funcionar.
O protagonista vive a frustração de saber condenada a versão, que o porfiado labor tornara óbvia na sua clareza. Embora se vivam já os anos pós-ditadura as estórias do período franquista continuam condicionadas pela cultura de delas esbater a verdade para que sobressaiam as mistificações, que lhe mantenham a nebulosidade.

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