sexta-feira, fevereiro 16, 2018

(DIM) «Cartas do Parque» de Tomaz Gutierrez Alea (1988)


Em 1987 Gabriel Garcia Marquez escreveu um conjunto de argumentos para filmes a serem rodados sob o título «Amores Difíceis», baseando-se nalguns contos seus e em notícias lidas em jornais.
«Cartas do Parque» foi rodado no ano seguinte e dirigido por um dos mais conceituados realizadores cubanos: Tomaz Gutierrez Alea. No triângulo amoroso entre os seus três protagonistas antecipa-se ao dos amores de Cyrano por Roxanne, através da interposta pessoa de Christian, no filme que Jean-Paul Rappeneau rodaria dois anos depois com assinalável êxito público. Comparando um e outro, o cubano é claramente superior ao francês, porque mais singelo  na forma como aborda o delicado assunto que é o amor. Estão aqui muitos dos temas mais glosados pelo escritor em toda a sua obra, desde a prevalência do sentimento amoroso sobre tudo quanto o possa distrair e a ternura que sempre lhe inspiraram as meretrizes. Nesse sentido, mesmo sem indícios do realismo mágico, trata-se de uma boa proposta de iniciação ao universo criativo de Gabo.
No início surge uma citação retirada do romance «Amor em Tempos de Cólera»: “e ensinou-lhe a única coisa que tinha de aprender para o Amor; que a vida não o ensina a ninguém”.
Inicia-se então a primeira das quatro partes em que o filme se divide  de acordo com cada uma das estações do ano. E, porque é Primavera, nela ocorrerá o estímulo para a paixão entre Juan e Maria, quando se anuncia o lançamento de um aeróstato, pilotado pelo francês René Simon, na colina de Monserrate, fronteira a Matanzas, a cidade cubana onde toda a estória se processará entre 1913 e o ano seguinte. Dando com o olhar intenso dela o jovem aprendiz de boticário não hesita em pendurar-se do balão à medida que ele começa a subir nos ares.
No dia seguinte, sentindo-se incapaz de expressar por palavras o que por ela sentira, o rapaz contrata os serviços de Pedro Ruiz, um escritor de cartas com banca por debaixo das arcadas do centro da cidade, para que lhe redija um texto impressivo. O resultado é tão fulminante que a rapariga, igualmente insegura quanto aos dotes literários, também recorre ao mesmo expediente. Está garantida uma torrencial correspondência de cá para lá, e de lá para cá, com Pedro a socorrer-se dos poemas de Becquer ou de Quevedo, para ir incendiando os corações dos dois enamorados. E, ao mesmo tempo, faculta ao rapaz uma imprescindível formação na arte da gramática floral, com as cores ou o seu grau de desenvolvimento (em botão ou abertas) a terem significados completamente distintos.
Chega o verão (o segundo tempo do filme) e o romance entre Juan e Maria evolui como se fossem marionetas comandadas por Pedro na qualidade de titereiro. Mas o rapaz vive obcecado pela aventura aérea, irritando o tio com as suas sempre falhadas, e incendiárias, experiências com balões de ar quente. Depressa se percebe que Maria irá haver-se com forte rival.
Atento aos dois clientes, Pedro espreita-os quando eles passeiam de barco num lago e escusa-se aos oferecimentos de Milagros, uma prostituta, que bem desejaria ver-se contemplada pelo seu afeto. Quando ela tenta espicaçá-lo com a notícia de se ter visto pedida em casamento pelo capitão da draga, que desassoreia o porto, é com tristeza que o vê a aconselhar-lhe a aceitação.
No entretanto Maria vai sentindo o distanciamento de Juan, quando a aviação se intromete nos momentos vividos a dois, como acontece quando os dois vão ao cinematógrafo (o «Trem das Surpresas»), para verem imagens de Veneza, do Sara ou de zepelins.
Quando chega ao outono Pedro decide não enganar mais o coração, levando até ao fim aquela estória romântica, conquanto ela lhe garanta o frequente contacto com a rapariga, apesar do desconsolo dela com o evidente desinteresse de Juan em pedir-lhe namoro oficialmente na casa dos padrinhos com quem vive. Tanto mais que a madrinha insiste em atirar-lhe com o primo Marcelo como bom partido para assegurar um futuro prometedor.
De súbito dois acontecimentos irão ameaçar o projeto conduzido por Pedro Ruiz: ao iquase destruir a botica do tio com mais uma das desastrosas experiências, Juan é expulso de casa e não terá outro remédio senão o de juntar-se a René Simon em Havana na expetativa deste lhe ensinar tudo quanto sabe sobre aeronáutica; por seu lado Maria fica proibida de sair de casa, quando a madrinha lhe descobre a ligação clandestina com o que designa como um pobretanas, que não tem onde cair morto.
Despedindo-se de Pedro, Juan agradece-lhe tudo quanto por ele fizera mas reconhece que toda aquela história tinha sido uma farsa, porque só pretendia voar.
Chega o inverno e Pedro teme que tenha chegado para ele o fim do mundo, eufemismo para designar a impossibilidade de continuar a encontrar-se com Maria. Ademais Milagros casa-se e deixa de lhe proporcionar os benefícios de uma amizade colorida.
Arranja então um artifício engenhoso: servindo-se de um álbum de postais e de uma coleção de selos começa a mandar-lhe pequenos textos supostamente enviados por Juan das mais exóticas paragens para onde o teriam levado as aventuras com René Simon. Fazendo de Pedro seu confidente, Maria recebe dele a formação quanto aos significados da forma como pode usar o lenço. Durante muitas semanas a intensa paixão platónica é vivida com uma dimensão, que não conseguiria ter se chagasse a ser carnal.
Um dia o logro descobre-se e Maria sente-se enganada: afinal Juan estivera todo o tempo em Havana e não chegara a percorrer o mundo como o indiciavam os postais. E compreende quem conseguira tocar-lhe o coração com palavras repletas de magia. Acorre, então, ao encontro de Pedro, que estava a fazer as malas para sair da cidade. Embora nesse momento todos os narizes estivessem no ar para apreciar os dotes de Juan como aviador, Pedro e Maria só já tinham olhos um para o outro...

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