sábado, fevereiro 17, 2018

(DL) Testar os limites no Annapurna


«Annapurna : une histoire humaine» de Charlie Buffet é uma grande saga, que começa em 1950 com a expedição de Louis Lachenal e Maurice Herzog e conclui-se com a trágica queda de Ueli Steck no ano passado. O objetivo é encontrar a resposta para a pergunta: o que leva tantos alpinistas a arriscarem a vida em montanhas tão perigosas tendo em conta que Rudyard Kipling alertara para os efeitos das tempestades de neve capazes de envelhecerem vinte anos a quem as padece? É que continuam a chegar a Muktinah hordas sucessivas de quem vai á descoberta de algo de intrigante, superando-se.
Lachenal explicava que o gosto pelo risco é inato e logo racionalizado numa espécie de necessidade para certo tipo de pessoas. “É o desejo de alcançar a perfeição, elevar-se, atingir um ideal. Implica o gosto pela responsabilidade, o domínio de si e a contenção do medo. Os valores: a escola da vontade, a perseverança, a reflexão, a disciplina, a confiança. O encanto do gosto pelo risco, a incerteza do sucesso. Consequência: permite o progresso.”
A montanha  dá aos homens a sua substância: é ela que lhes proporciona os cereais (anna) em abundância (purna). Mas nem tudo corre conforme muitos esperam nesse meio hostil onde os sherpas escusam-se a carregar mais do que quarenta quilos. Ora, na primeira expedição, a de 1950, foram necessárias seis toneladas transportadas por duzentos alpinistas locais. Lionel Terray, um dos membros da equipa anotara: “estes montanheses meio primitivos têm também defeitos, nomeadamente uma séria falta de cuidado e de minúcia, mas compensam-na com a alegria, o entusiasmo, o tato, gentileza e sentido poético dão um novo sabor aos dias”. E acrescentava sobre a paisagem em redor: “o circo onde estamos é integralmente selvagem. Nenhum homem ou planta alguma vez aqui passou. Na pureza da manhã esta ausência de vida, esta miséria da natureza só estimulam a nossa determinação. Quem compreenderá a exaltação que retiramos deste nada  quando o mais comum é a adesão humana a naturezas ricas e generosas?”
O mito do alpinista invencível vai-se esbatendo com a leitura, ficando-se a conhecer as pílulas, as anfetaminas e as vitaminas de que se tornam imprescindíveis para o sucesso. Acima dos seis mil metros a condição física cai tornando extremamente penoso o menor esforço e impelindo à inação. Nessa altura nem se aprecia a paisagem fabulosa, porque a preocupação resume-se a sobreviver.
Stéphane Benoist, que cumpriu mais recentemente a aventura confessa: “a paixão é o que nos anima. E na paixão há dor, até mesmo crucificação. É o que nos acontece. Admitamos que vamos à procura de sermos postos à prova, a superarmo-nos. No Annapurna queria desafiar os meus limites, saber até onde era capaz de ir.” E não há espaço para embelezar a realidade: são frequentes os acidentes mortais.

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