segunda-feira, fevereiro 19, 2018

(DL) Quando Mark Twain compreendeu a injustiça da escravatura


A exemplo do seu mais conhecido herói, Mark Twain não nasceu longe do “grande, do magnificente, do magnífico Mississípi”.  E, como ele também ficou órfão, pelo menos do pai.
Hannibal, situada nas margens do rio, nada teria de extraordinário em relação a tantas outras cidades similares se as suas ruas não houvessem servido para nelas brincar, e depois namoriscar, o mais conhecido dos escritores norte-americanos. Samuel Clemens, seu verdadeiro nome, viria a aí inventar os seus dois principais personagens: Tom Sawyer e Huckleberry Finn. O romance que tem o primeiro como protagonista é, provavelmente, o mais lido nos Estados Unidos, tendo contribuído para a formação de sucessivas gerações. Revela também como se vivia no sul do país no século XIX, quando persistia a mentalidade esclavagista e puritana.
A família Clemens instalara-se em Hannibal em 1839, para criar uma mercearia, que aproveitasse a efervescência aí vivida. O jovem Samuel tinha três anos e começava a percecionar com  maior entendimento aquilo que se passava à volta da casa branca, de madeira, hoje transformada numa das principais atrações locais.
Apesar de não existirem por perto as plantações de algodão, todas as famílias, mesmo as mais humildes, tinham os seus escravos, que dormiam no chão. Os Clemens não fugiam à regra, vista pelo jovem Samuel como algo de perfeitamente natural, até por ser preconizado pela influente igreja presbiteriana que frequentava. Será dessa experiência pessoal, que passará para Tom Sawyer o enfado com os longos sermões e os engenhosos artifícios para se distrair.
Mais do que Tom, Mark Twain servir-se-á do irreverente Huckleberry Finn como seu alter ego. Os barcos característicos com a sua enorme roda - então em grande número a navegarem no rio - representavam ao mesmo tempo a modernidade trazida pela Revolução Industrial e a vontade de conhecer as mais longínquas paragens. Movido pela vontade de evadir-se Samuel torna-se aprendiz aos dezoito anos, e depois piloto, de tais embarcações. A adoção do pseudónimo radica nessa atividade, porque «mark twain» é um pregão dos marinheiros para designar «duas braças de fundo».
Num dos mouchões do rio, o futuro escritor imagina o encontro de Huckleberry com Jim, um escravo em fuga. O rapaz que, até então, fora indiferente ao fenómeno da escravatura, transforma-se num apoiante tenaz do esforço do novo amigo para alcançar a liberdade na outra margem do rio, já no Illinois, onde o abolicionismo tinha, entretanto, prevalecido.

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