segunda-feira, fevereiro 05, 2018

(DL) «4321»: um grande romance, um romance grande

Aos setenta anos Paul Auster é reconhecidamente um dos grandes escritores norte-americanos dos nossos dias, embora também se tenha aventurado no cinema como argumentista e realizador. Habitando em Park Slope, no bairro de Brooklyn, continua a construir uma obra assombrada pela literatura, trabalhada pelas vertigens da identidade, da roleta dos acasos e do destino, e fazendo de Nova Iorque o cenário privilegiado da sua ficção. Como sucede no mais recente romance - «4321» - que é um audacioso desafio romanesco nas suas mais de mil páginas, densas e rápidas como a História, e passadas entre o assassinato de Kennedy e a queda de Nixon numa América em que a questão racial e a guerra do Vietname dividem o país. O livro não enjeita as questões políticas, porque Auster defende que o próprio ato de escrever é, em si mesmo, um ato político.
«4321» retoma os temas, que marcaram a obra de Paul Auster desde a sua Trilogia publicada entre 1985 e 1987: a importância das coincidências, as incertezas da identidade e o papel da literatura nas nossas vidas. Como de costume, o personagem principal ou o narrador é um escritor, ou sonha sê-lo, o que facilita o ensejo de numerosas referências a autores como Melville, Beckett, Dostoievski numa subtil intertextualidade.
É na construção, que esse romance mais surpreende, porque contem quatro relatos sobre as diferentes vidas de um narrador chamado Archie Ferguson. Cada um desses Ferguson vive num subúrbio diferente de Nova Iorque, mas conjugam-se na paixão pela concupiscente Amy Schneiderman. E acrescentam-se muitas outras personagens, que se vão encontrando de uma para outra das quatro histórias. Porque, como diz o autor, “quando estamos sós, não o estamos: habitam-nos os outros, as suas vozes, as suas recordações”.
È romance cuja espantosa construção adota uma ideia que parece ter divertido Diderot em «Jacques, o Fatalista»: é a questão de imaginar o que teria acontecido se…? Nós mesmos teríamos vivido da mesma maneira se, em determinada altura, tivéssemos virado para  a esquerda em vez de o termos feito para a direita? Se decidimos seguir esta rapariga ou este rapaz, em vez de regressarmos a casa? Em suma trata-se de compreender como é que, ao longo da vida, escolhemos o rumo a prosseguir? Chama-se a esse processo “a lógica das possibilidades narrativas”. São essas possibilidades que estão na origem das histórias criadas pelos escritores, lidas com prazer e interesse, porque “não se pode imaginar a vida sem histórias imaginárias”.

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