sexta-feira, fevereiro 23, 2018

(DL) As mudanças suscitadas pela História (mas não só!)


Ao concluir as quase quatrocentas páginas do livro de memórias de Marcos Ana fica a sensação de vivermos num mundo muito diferente daquele em que o poeta viveu depois de sair das prisões franquistas em 1961. Percorrendo todo o mundo para fazer campanha contra o regime e, sobretudo, para exigir a libertação de todos os prisioneiros de consciência em Espanha, ele encontra-se com os vultos mais relevantes dessa época, muitos deles comunistas (Neruda, Ehrenburg, Luís Carlos Prestes, Fidel, Che Guevara), outros seus «compagnons de route» (Allende, Sartre ou Simone de Beauvoir), outros aparentemente mais distantes (a rainha da Bélgica).
Era ainda um mundo dividido entre os dois principais blocos políticos e económicos, com os comunistas a ocuparem uma influência hoje quase inteiramente evaporada por conta dos desvios dos regimes, que se reclamaram da ideologia, mas sobretudo pela campanha insidiosa, quase sempre de um primarismo maniqueísta revoltante (mas eficaz!), que conseguiu desafetar milhões de explorados da ideologia, que melhor serviria os seus interesses.
Fica, porém, uma conclusão obvia: podemos criticar todos os regimes, que transformaram o ideal comunista numa lamentável caricatura, mas devemos manifestar o nosso respeito profundo pelos milhões que, em nome de tal utopia, sofreram na pele e perderam a vida para combater as ditaduras fascistas. Mesmo entre nós, quem se lhes poderá comparar na persistente luta desenvolvida ao longo de todo o salazarismo para que os portugueses pudessem viver melhor e em liberdade?
Agora que, nalguns países - nomeadamente em França e em Itália - surgem jovens dispostos a fazer renascer das cinzas esse ideal, vale a pena constatar até que ponto ele será recriado já sem o pesado lastro dos sucessivos erros históricos e ideológicos que se lhe associaram.

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