sexta-feira, outubro 31, 2014

LEITURAS: «1Q84» de Haruki Murakami (2º volume) X - Nem o Líder morre, nem...

Aomame lamenta a morte de Ayumi, mas à cabeça vem-lhe sobretudo a imagem de Tengo, ainda com dez anos, mas que nunca esquecera. Pelo contrário até lhe alimentara uma paixão muito idílica. É nesse estado de espírito, que se despede do apartamento, que ocupara nos últimos anos, para se dedicar à execução do que lhe tinha sido encomendado: a morte do Líder da seita Vanguarda. Para tal irá servir-se dos talentos de personal trainer para a ele aceder e golpeá-lo eficazmente no momento mais adequado.
Entra-se por esta altura numa daquelas partes do romance, que designaria como feita para «encher pneus».  Assim, todo um capítulo é dedicado ao encontro de Aomame com os guarda-costas do Líder, descrevendo-se pormenorizadamente como se viu revistada. Quer no corpo, quer na mala, nada lhe encontram e, no entanto, traz consigo o picador de gelo a utilizar no momento decisivo.
Quando, enfim, a levam ao quarto onde o Líder a espera, quase às escuras, temos longas páginas com ele a descrever-lhe os problemas físicos que o apoquentam, traduzidos numa deformação visual e em espasmos musculares. Ora são estes últimos os causadores de imponentes ereções, nas quais as púberes sacerdotisas se empalam na esperança de dele engravidarem. Nessa versão não se confirma propriamente a violação das raparigas, muito embora não deixem de se tratar de relações pedófilas.
Aomame vai orientando os exercícios musculares para que foi contratada e indicados para o alívio das dores do cliente. Mas, no momento crucial - aquele em que lhe deverá cortar o fluxo sanguíneo ao cérebro! -, intui que ele adivinha a razão de ser da sua presença  e até a insta a executar a missão. É que tudo quanto fazia era por se sentir refém do Povo Pequeno, desejando a morte como forma de libertação.
Por esses dias Tengo anda a sentir-se enervado com a solidão a que parece fadado. Komatsu envia-lhe uma carta em vez de lhe telefonar. Mas o marido da amante liga-lhe para o avisar do fim definitivo dos encontros com ela. E Ushikawa também lhe aparece a insistir para que receba a bolsa de três milhões de ienes sob o risco de sofrer consequências desagradáveis se insistir na recusa.
É para superar a crescente angústia, que decide visitar o pai, internado num lar longe de Tóquio. Embora o saiba acometido de grave senilidade, gostaria de ver respondidas as questões existenciais que o obcecam: que fora feito da sua mãe? Fugira com outro homem ou morrera? E quem era o seu verdadeiro pai?
No regresso á capital, ele conclui: “Este homem não é um invólucro vazio. Não é uma simples casa desabitada. É um homem de carne e osso que sobrevive como pode, algures neste pedaço de terra à beira-mar plantado, carregando às costas um espírito tacanho e obstinado, bem como as suas recordações sombrias. Vê-se obrigado a conviver com esse vazio, que se vai expandindo de forma progressiva dentro dele.” (pág. 168)

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