De vez em quando a Academia Sueca decide em conformidade com os meus padrões de apreciação sobre os escritores do nosso tempo. Não é frequente, e algumas vezes até é capaz de premiar autores muito meritórios, mas que ideologicamente me merecem as maiores reservas, como sucedeu por exemplo com Vargas Llosa. Mas alturas há em que me dá motivos para celebrar as suas escolhas. Encheu-me as medidas com Saramago (e rejubilo por tê-lo feito em detrimento de Lobo Antunes), mas também me agradaram os prémios atribuídos a Neruda, Garcia Marques, Günter Grass ou Le Clézio. Todos eles escritores do meu particular agrado.
Agora, e porque o último dos citados ganhara há meia dúzia de anos, eu apostava num norte-americano, mormente em Don DeLillo. Porque muito embora a literatura dos States esteja recheada de excelentes autores, privilegio a valia do autor de «O Homem em Queda» comparativamente com Salinger, Pynchon, Auster ou Oates, para não falar em Roth, que sabemos no índex dos jurados escandinavos.
Mas, afinal, a decisão voltou a pender para a literatura francesa e para o outro autor que, para além do celebrado LeClézio, leio com prazer a maioria dos seus romances: Patrick Modiano.
O meu encontro com o universo criativo de Modiano ocorreu há mais de trinta anos, quando, de uma assentada, li «Memory Lane», «Villa Triste» e «Rue des Boutiques Obscures» em edições de bolso. E fiquei rendido à forma como recriou os tempos difíceis da Ocupação, quando à margem dos nazis florescia um mundo de gente apátrida e/ou clandestina, muitos deles judeus sempre atemorizados pela possibilidade em serem descobertos pelos omnipresentes colaboracionistas e quando se organizavam festas exuberantes vividas como se fossem as derradeiras antes de um incontornável fim.
Invariavelmente nos romances de Modiano há sempre alguém que se perde ou se procura e a nostalgia por um passado, que se sabe irrecuperável, mas cuja memória se persegue como pretexto para dele conservar algo de palpável.
Ao nascer precisamente em 1945, no ano em que a guerra terminou, pode-se pensar que o jovem Patrick terá conservado ao longo de toda a vida os sentimentos contraditórios da mãe durante a gravidez.
Mas o interesse da sua prosa está muito para além das histórias bem estruturadas e dos seus fascinantes personagens. Ao explicar a razão da atribuição do prémio o porta-voz da Academia invocou a elegância da sua escrita. Tenho para mim, que a justiça deste sucesso tem a ver com mais do que essa classificação simplista: nunca encontrei uma tradução satisfatória dos seus romances. Nunca para mim fez tanto sentido a lógica do “tradutore/ traditore”, porque a forma como as frases carpinteiradas pelo autor são tão bem expressas na língua francesa, que vertê-las para outra língua afigura-se-me uma inevitável traição.
Numa altura em que acaba de lançar um novo título, lê-lo ainda se tornou mais prioritário. Porque raramente a leitura consegue dar tanto prazer como nos seus romances...
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