Serão daquelas recordações, que dificilmente esquecerei: depois de viver o Carnaval de 1989 no Rio de Janeiro, passei as semanas seguintes a percorrer diversos portos da Argentina e do Chile. E a alegria colorida da Avenida Rio Branco deu lugar à soturnidade triste das ruas de Buenos Aires ou de Valparaíso.
Na capital argentina, o paquete «Funchal», de que era um dos tripulantes, ficou atracado num cais, que nas idas para o centro da cidade nos obrigava a passar defronte da sinistra Escola dos Mecânicos da Armada, onde sabíamos terem sido torturados e assassinados tantos opositores políticos. Teoricamente a ditadura dos generais já terminara com o desastre da guerra das Malvinas, mas o governo democrático de Alfonsin estava amarrado à legislação com que eles se tinham precavido antes de entregarem o poder aos civis.
Nessa passagem defronte dos altos muros das instalações militares, éramos obrigados a caminhar tão lestamente quanto possível. Assim no-lo obrigavam os cartazes e os sentinelas atentos a qualquer atitude audaz contra o que ali acontecera. Era o tempo em que os militares ainda julgavam poder escapar impunes aos seus crimes.
Dias depois, no maior porto chileno, era também notório o frágil equilíbrio entre a ditadura ainda vigente e a democracia já prometida com a vitória no plebiscito sobre a continuidade ou não de Pinochet no poder.
Na zona baixa da cidade - a mais moderna e abastada - estacionavam militares em muitas das suas esquinas. Também eles julgavam possível travar a dinâmica histórica, que os haveria de os desmascarar como os criminosos, que realmente eram.
Para honrar os muitos milhares de mortos, desaparecidos e torturados, bem como as famílias, que nunca desistiram de lhes fazer justiça, o fotógrafo João Pina acaba de publicar um álbum notável, que incide sobre toda a Operação Condor. Coordenada pala CIA, ela visava conjugar os esforços de todos os organismos repressivos das várias ditaduras latino-americanas para eliminarem os opositores comunistas.
João Pina retrata os espaços onde os crimes foram perpetrados e os velhos carrascos, agora suficientemente conscientes dos seus crimes para esconderem os rostos às câmaras. Para que não sejam esquecidos alguns dos mais bárbaros crimes do século XX!
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