Um dos filmes, que mais me surpreenderam durante a adolescência, foi «Au Hasard Balthasar» de Robert Bresson, que passou numa daquelas sessões das seis e meia da tarde do antigo Monumental, onde o melhor cinema de todos os tempos era visto com veneração por toda uma geração ansiosa por um novo país liberto do fascismo e por isso mesmo disponível para estéticas e narrativas a contracorrente da modorra quotidiana.
Lembrei-me dele ao ver este filme de Bruno Dumont, que capta a tragédia de Camille Claudel a quem a família decidiu coartar a liberdade encerrando-a num manicómio donde nunca mais sairia.
Em 1915 esse internamento ainda era recente e decorrera do escândalo, que os Claudel queriam abafar, devido à ligação amorosa de Camille com Rodin e à forma como depois o deixara ao fim de quinze anos de frustrações amorosas e artísticas. Porque, escultora com toda uma obra por criar, ela vira-se continuamente boicotada por um homem, que começara por a amar, mas depois se revelara mesquinho na inveja pelo seu talento.
Onde Dumont se filia no cinema de Bresson é na forma como mostra um tempo quase parado, feito de rotinas sempre iguais e onde a câmara se concentra nos olhares - sobretudo de Binoche - e nos travellings que a acompanham pelos corredores e pelo jardim do asilo de Montdevergues.
Camille é a vítima da misoginia do amante, mas sobretudo do fanatismo religioso do irmão, que tinha todas as possibilidades para a trazer de volta a Paris e se recusa. Porque a considera merecedora de expiação dos pecados de que a julga culpada.
Muito lento, «Camille Claudel, 1915» é um filme exigente na disponibilidade, que exige de um espectador por norma habituado a outro frenesim, a muito mais ação. Trata-se, pois, de um cinema para uma minoria tão exígua quanto a da tal geração que, há quarenta e cinco anos, ansiava por mundos novos a sério e não adivinhava o quão depressa eles se anunciavam...
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