Literariamente confesso que a minha fraqueza chama-se Stephen King. Posso ser imune aos apelos dos pauloscoelhos, das margaridasrebelospintos ou dos josésrodriguesdossantos - de quem reconheço nem sequer ter tentado ler um único livro para justificar a minha aversão, mas chego aos romances do mais conhecido escritor do Maine e tenho-os como irresistíveis.
Uma vez comprei em Buenos Aires um dos seus romances menos citados - «Cujo» - e gastei a madrugada seguinte a ler de enfiada as seiscentas páginas da respetiva edição de bolso em língua castelhana.
Tenho-me agradado mais com uns romances do que com outros, mas acabo sempre agarrado à leitura de histórias recheadas de monstros, fantasmas e outros fenómenos de verosimilhança totalmente desacreditada pela minha ateia racionalidade.
Mas, num mundo onde os telejornais estão cheios de monstros e de fantasmas - mesmo que considerados como personalidades respeitáveis - procurar a catarse em algo de assumidamente ficcional não deixa de ser uma tentação incontornável.
No livro de contos «Everything’s Eventual», datado de 2002, já me deixei levar pelo clima dos três primeiros dos seus seis contos. E, embora nenhum deles corresponda ao que de melhor dele tenho lido, encontro-lhes as características justificativas do estilo de Stephen King.
No primeiro, «Sala de Autópsias Número Quatro» temos uma declarada homenagem a um dos mais celebrados episódios da série televisiva apresentada por Alfred Hitchcock: «Breakdown». Datado de 1955 ele tinha Joseph Cotten como protagonista a representar o papel de um homem vitimado num acidente de viação e prestes a ver-se sepultado porque, totalmente paralisado, está incapaz de comunicar com os que o rodeiam. Quando já o imaginávamos enterrado, ele consegue demonstrar ainda estar vivo graças à lágrima subitamente libertada de um dos seus olhos.
Pegando nessa mesma possibilidade, King faz de Howard Cottrell a suposta vítima de um ataque cardíaco fulminante, quando jogava à bola e fora-a buscar no meio de uns arbustos. Dado como morto, está quase em vias de ser autopsiado na mesa do morgue, quando uma médica surge a interromper a operação ao anunciar que ele foi mordido por uma cobra, que o terá deixado paralisado, mas vivo…
Em «O Homem do Fato Preto» a homenagem de King é endereçada a Nathaniel Hawthorne, o autor de «A Letra Escarlate», pela forma como enfatiza a importância das florestas. É numa delas que um miúdo de nove anos, que decidira ir à pesca, tem um aterrorizante encontro com o Diabo em pessoa. Felizmente para ele, consegue fugir a sete pés e nunca revelar a ninguém essa experiência. Só agora, passados quase oitenta anos e à beira da morte, é que se decide a fazê-lo.
Em «Tudo o que Amamos nos será tirado», a homenagem de Stephen King é para todos os “criativos”, que escrevem mensagens - obscenas ou não! - nos mictórios das estações de serviço das autoestradas estaduais e que revelam idiossincrasias, ora preconceituosas, ora inesperadamente filosóficas (como a frase que dá título ao conto).
Temos, assim, um modesto caixeiro viajante decidido a enfiar uma bala na cabeça num motel e a contas com o que dele pensarão quando encontrarem o caderninho onde, ao longo de muitos anos, terá anotado esse tipo de frases. Provavelmente será essa imagem negativa de si próprio, quando já morto, que o impedirão de avançar para tão desesperado desenlace...
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