Começo este texto entre a tentação de não o escrever, seguindo a regra proposta por Truffaut, segundo o qual só se deveria opinar sobre o que se gosta, e o reconhecimento pelo esforço de todo um conjunto de atores e técnicos, que tornaram possível este espetáculo.
É que ele sugere-me algumas lembranças pertinentes: funciona como se os personagens da «Fogueira das Vaidades», de Tom Wolfe, mas já desencantados com o fascínio pelo capitalismo, fossem desembocar ao bairro dos «Feios, Porcos e Maus» de Ettore Scola. Porque é disso que aqui se trata: cenas indubitáveis da luta de classes, mas de tipo novo: os burgueses perderam a prosápia de quem alcançara grandes sucessos pessoais - pelo contrário surge aqui uma espécie de homem assumidamente normal, que perdera sem perceber como nem porquê, o dinheiro a ele confiado pelos acionistas e clientes! - e os proletários que não o chegam a ser por se incluírem na equívoca ambiguidade da sua condição de lúmpen.
Trata-se de uma peça muito física em que os personagens agridem-se com frequência até mesmo quando simulam a fornicação e têm um conteúdo próprio, que ostentam nos monólogos, que lhes vão cabendo. E onde uma outra características é todos se mostrarem em permanente negociação, porque chegámos a uma situação civilizacional em que tudo se compra e tudo se vende. Por isso mesmo somos sujeitos a duas horas e meia de surpreendentes reviravoltas com os que detinham o poder sobre os outros a ficarem-lhes sujeito, se não mesmo a receberem-lhes a bala definitiva.
São duas horas e meia intensas, mas que justificam na morosidade com que tudo se revela, a questão de aferirmos qual o sentido de se montar esta produção aqui e agora? Será que na presente situação é expectável apresentar a luta de classes como um jogo de massacre entre capitalistas decadentes e proletários que o deixaram de ser?
Pessoalmente diria que não!
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