quarta-feira, outubro 15, 2014

LEITURAS: «1Q84» de Haruki Murakami (1º volume) VI - Seitas religiosas e violência doméstica

Em 20 de março de 1995 a seita Verdade Suprema, liderada por Shoko Asahara, perpetrou um ataque terrorista com gás sarin na rede de metropolitano de Tóquio causando 12 mortes, 50 feridos em estado debilitado (crítico) e 984 com problemas de visão.
Para uma sociedade aparentemente tranquila - muito embora até um escritor como Mishima tenha ensaiado a realização de um golpe de Estado - esse acontecimento traumatizou muitos que tiveram a consciência de tornar-se aleatória a possibilidade de virem a ser atingidos por algo de semelhante.
Não admira que, na sua trilogia, Haruki Murakami insira uma seita religiosa de comportamento mais do que suspeito e práticas totalmente clandestinas. É a Vanguarda. Que deixara de ser uma comunidade agrícola de ideologia maoísta para se converter numa seita religiosa.
O Professor Ebisuno, com quem Fuka-eri fizera Tengo encontrar-se, tem a perfeita noção do que pretende: “O que eu quero saber é se aconteceu alguma coisa à Eri quando esteve na Vanguarda. Durante estes últimos sete anos fiz o possível e o impossível para esclarecer estas questões, mas, ao fim e ao cabo, não encontrei uma única pista. O muro que encontrei por diante e que bloqueou o meu caminho era sólido e inexpugnável. Quem sabe se a chave para resolver o mistério não se esconderá, porventura, no interior da própria história que dá forma à obra ‘A Crisálida de Ar’?” (pág. 246)
Recordemos que Tengo estava em vias de pegar no manuscrito escrito pela adolescente para o tornar literariamente adequado à candidatura a um importante concurso literário
Como víramos, em textos anteriores, Murakami vai alternando os dois protagonistas numa progressão paralela até eles, enfim, se encontrarem no final do 3ºvolume. Assim, enquanto Tengo está a colher informações sobre a Vanguarda e o universo donde emergira Fuka-eri, Aomame está na ressaca de ter executado friamente mais um cultor da violência doméstica. E, em flash-back, iremos perceber que a “vocação” para esse tipo de missões colhera-a Aomame na adolescência, quando travara intensa amizade com uma colega da equipa de softbol onde jogava: “Eram duas raparigas solitárias e problemáticas, com um montão de coisas para contar uma à outra. Numas férias de verão, foram viajar. E quando calhou não terem mais nada para fazer, entretiveram-se a tocar no corpo uma da outra, despidas, na cama de um hotel.
Foi uma coisa inesperada. Aconteceu apenas uma vez e não tornou a repetir-se; tão-pouco falaram do sucedido a quem quer que fosse. No entanto, é um facto que a relação tornou-se ainda mais forte e, em consequência, ficou reforçada a cumplicidade entre elas.” (pág. 270)
Mas Tamaki suicidara-se a três dias de completar os 28 anos, enforcando-se. “As permanentes agressões sádicas de que era vítima por parte do marido haviam-na deixado profundamente ferida, tanto física como psicologicamente. A conduta dele roçava o terreno da paranoia, e os sogros  estavam mais ou menos a par de tais práticas”. (pág. 276)
Doravante Aomame, assumira-se como justiceira das mulheres torturadas, fazendo do marido de Tamaki a sua primeira vítima. “Foi então que Aomame tomou a firme decisão de castigar aquele homem.
Hei-de pôr fim à sua existência, aconteça o que acontecer. Caso contrário, o tipo voltará a fazer o mesmo com outra pessoa. (…) Assim que se convenceu de que estava preparada, passou à ação. Sem titubear, dando mostras de grande sangue-frio e precisão, fez com que o Reino dos Céus se abatesse sobre o homem.” (pág. 278-279) 

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