O filme estrear-se-á em França só no final de janeiro, mas já o pudemos ver no âmbito do Festival do Cinema Francês, que está a decorrer atualmente em Lisboa e no Seixal.
Trata-se da primeira longa-metragem do realizador, um professor de filosofia, que já se aventurara a dirigir documentários de referência como «Ceux qui restent» (sobre antigos combatentes vietnamitas e a evocação dos laços entre sobreviventes e desaparecidos) e «Les Âmes Errantes».
O tema escolhido não constitui propriamente uma novidade, já que começam a somar-se vários filmes sobre as provações dos africanos ou dos asiáticos decididos a emigrarem para a Europa, sem olhar para as dificuldades quase insuperáveis encontradas no caminho.
Léonard, um jovem camaronês, conhecerá a nigeriana Hope, quando integram o mesmo grupo, que está a atravessar o Sara.
Quando os próprios companheiros de desventura a tentam violar ele opõe-se, mas já nada pode fazer quando são os militares a sujeitá-la a tal humilhação.
E aqui temos o que distingue «Hope» de outros títulos subordinados a este tema: a descrição de como, se para os homens a aposta é custosa, ela revela-se bastante pior para as mulheres, invariavelmente violadas ou sujeitas a prostituírem-se como forma de angariarem o dinheiro necessário para pagarem aos traficantes encontrados pelo caminho.
Consciente de transportar aos ombros a esperança de tantos familiares, Léonard até não estava interessado em agravar os seus problemas. E Hope promete ser para ele um encargo físico e psicológico, que estará para além das suas forças. No entanto, contra tudo quanto a razão lho aconselha, ele sente o dever de ajudar a rapariga, tanto mais que não tarda a revelar-se-lhe no ventre uma previsível gravidez.
Será amor? É difícil discernir se o será, se se tratará de um elementar sentido de solidariedade com quem está imerso no mesmo infortúnio. Mas, muito provavelmente, aquilo que começara por ser essa segunda hipótese vai-se convertendo na primeira após tantos sacrifícios entretanto partilhados.
Quem estiver à espera de encontrar no filme uma forma de entretenimento bem pode tirar o cavalinho da chuva: Boris Lojkine não está por trás da câmara para dar sossego às nossas consciências. A realidade revela-se tão dura quanto a imaginamos ser, pejada de crápulas dispostos a explorarem o mais possível quem lhes vai passando ao alcance e com os protagonistas a sentirem-se cada vez mais desprotegidos perante tudo quanto lhes cai em cima.
Não há como escapar à admiração por todo o sacrifício por que passam (e morrem) milhares de homens e mulheres decididos a alcançarem a Terra Prometida, que bem sabemos ser-lhes bem madrasta. Porque poucos conseguem chegar e, mesmo assim, a maioria será rapidamente recambiada para casa. Esses serão porventura os mais afortunados, porque os demais vêem-se a contas com o desemprego ou com formas intensas de exploração, em que os magros salários nem sempre são pagos e onde a possibilidade de uma acidente de trabalho é percentualmente relevante.
No filme Hope conseguirá chegar viva às costas de Almeria, mas Léonard já não viverá para as ver, porque ferido mortalmente acaba por lhe morrer nos braços, quando o sonho pareceria enfim possível.
Excelentemente realizado, «Hope» é muito elucidativo sobre uma das mais escandalosas tragédias dos nossos dias...
Sem comentários:
Enviar um comentário