Há menos de uma semana estreou-se em França o terceiro filme de Céline Sciamma, que nos permite questionar o tipo de cinema a que temos direito nos ecrãs nacionais, Comandados por quem decide quase só comprar filmes no mercado norte-americano, deixa na marginalidade os que, de origem europeia, conseguem romper essa regra. Ora, «Bande de filles» teria todas as condições para representar um enorme sucesso de bilheteira se promovido de forma a chegar a quem com ele muito ganharia em vê-lo: todas as Mariemes, que vivem nas Covas da Moura, que circundam a grande Lisboa e com ela se identificam enquanto adolescentes a contas com a segregação de serem raparigas, de cor e sem outras perspetivas de futuro, que não sejam as de imitarem as mães como empregadas de limpeza ou de cuidadoras nos asilos de velhos.
A protagonista é Marieme e tem 16 anos. Vive com a mãe, com o irmão mais velho e duas irmãs mais novas num subúrbio parisiense e está a contas com um chumbo na escola secundária. Eis senão quando outras três raparigas como ela - Lady, Adiatou e Fily - a convidam para pertencerem ao seu bando.
A princípio renitente, Marieme junta-se-lhes com entusiasmo quando as descobre em contacto com Ismael, um amigo do irmão, por quem alimenta uma paixão.
Passa então a adotar o pseudónimo de Vic e a violar tudo o que lhe possa parecer proibido: faltar ás aulas, dançar o mais possível e falar alto. A todas elas Importa sobretudo a sensação de ditarem as suas próprias leis. Mas Marieme está particularmente interessada em multiplicar o mais que puder os encontros com Ismael, muito embora o saiba temeroso da violência do irmão dela, pelo que se vêem obrigados a encontros às escondidas.
Surge então um combate com outro bando rival quando Lady, a chefe do grupo de Marieme, é ridicularizada pela adversária. Decidida a vingar a amiga, Vic desafia a vencedora e vence. É na euforia desse resultado, que avança para a concretização sexual com Ismael. O que lhe vale uma tareia monumental do irmão.
Refugiando-se em casa de um mafioso, que controla o bairro, ela tem o rumo traçado.
Quando ali volta, anos depois, é já na condição de dealer, recusando reencontrar as antigas amigas, aceder aos avanços do mafioso que a ajudara ou aceitar a proposta de Ismael para que casem.
Céline Sciamma assinou um filme muito físico, onde por uma questão de afirmação, as raparigas mimetizam os clichés machistas como forma de sentirem um ligeiro perfume de liberdade.
Para enfatizar essa forma de olhar para a realidade a câmara transfere-se para os olhos das personagens, para as bocas que se abrem desmesuradamente ou para o frenesim das ancas a abanarem-se. À volta planam os rapazes, que lhes cobiçam os corpos com gula de abutres.
Sciamma também revela os bairros por onde elas andam com perspetiva de arquiteto: as torres muito altas, as esplanadas imensas, os passeios inclinados.
O filme só perde algum interesse no final, com a emancipação de Marieme e a sua dissolução num coletivo depois de ter-se mostrado tão ciosa da sua individualidade.
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