segunda-feira, outubro 16, 2017

O Segredo das Meias

Situação complicada a vivida por Emilia e Angiolo, quando já tinham dobrado o cabo dos sessentas: a fábrica têxtil na Toscânia, que constituíra todo o seu projeto de vida, faliu deixando-os com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. O que fazer, quando tudo parecia virar-se contra eles? Só lhes restou o convite de uns clientes, que os contrataram para, durante dez anos, dirigirem uma nova fábrica em Yiwu, na província de  Zhejiang, transmitindo os conhecimentos, particularmente no controlo de qualidade, aos operários locais.
Nicola Contini começou a filmar este documentário, quando o casal preparava o regresso definitivo a casa, já com ela sozinha na metrópole asiática e ele a organizar o espaço em que viveriam na condição de reformados. Por isso mesmo, mais do que um filme sobre a resiliência ou a crise económica, responsável pela desindustrialização europeia, «O Segredo das Meias» aborda igualmente a solidão e a difícil adaptação a costumes e valores que não os da protagonista. Mesmo se, às tantas não pareciam sentir-se bem em lado nenhum: em Itália suspiravam pela China e vice-versa.
Não falando senão o italiano, a septuagenária recorria a tradutores para se fazer entender junto dos operários e seus encarregados, reagindo assertivamente se deparava com bom produto final ou zangando-se quando ele desiludia as suas expetativas. Em causa surge, às tantas, o tema da família e o quanto ela distava em quilómetros, que não em afeto. Como compensação Emilia procurava ser uma espécie de avó para as suas operárias.
Nos tempos livres procurava acomodar-se ao espaço, ora integrando turmas de tai chi, ora procurando nos mercados as vitualhas, que lhe permitissem imitar o mais possível as receitas italianas. Mesmo se lhe falhavam o forno ou as frigideiras para alcançar uma refeição tão próxima quanto possível do objetivo.
Há também a relação com Angelo a quem reconhece faltarem dotes de dançarino, mas que força a apurá-los sempre que possível, seja na China, seja em Itália, onde já os vemos definitivamente instalados nas cenas finais. Precisamente as que alternam com filmes antigos, em super 8, que os revela tal qual eram cinquenta anos atrás. E há sempre algum estremecimento ao constatar como é tão repentina a súbita passagem da juventude, quando todo o horizonte à nossa frente parece alcançável, e essa velhice onde só resta aproveitar o cada vez mais escuro crepúsculo, que culmina nos inevitáveis epitáfios.

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