terça-feira, outubro 03, 2017

(DIM) «A Fábrica do Nada» de Pedro Pinho

A presente exibição do estimulante «A Fábrica do Nada» remete-nos para Karl Marx, porquanto a análise da situação por que passam os operários do filme só encontra explicação na matriz interpretativa da realidade por ele criada em numerosos livros e textos esparsos.
Na obra de Pedro Pinho os operários de uma fábrica da Póvoa de Santa Iria veem posto em causa o respetivo emprego, quando, numa madrugada, dão com gente desconhecida a carregar em camiões as máquinas com que quotidianamente trabalham. Criando de imediato um piquete para não permitir novo esbulho dos seus meios de produção vão conhecer as habituais estratégias da Administração para os levar a rescindir os contratos com uma indemnização miserável. Que alguns, os mais egoístas, aceitam, mesmo à custa de saírem quase clandestinos do convívio com quem os vira até então como amigos, surgindo depois outras estratégias destinadas a dividi-los, seja em função dos valores propostos a cada um para rescindirem, seja através do contacto direto com as esposas nos respetivos postos de trabalho para que forcem os companheiros a ceder.
As semanas passam, os patrões desaparecem de vez para nada pagarem e um sociólogo  surge a acompanhar-lhes o dia-a-dia para compreender todas as premissas com que são obrigados a contar. E é ele quem os tenta aliciar para um projeto de autogestão, que possa superar duas das maiores ameaças ao seu futuro: a globalização e a robotização.
A escassez do emprego suscitada pelos avanços tecnológicos é algo que Marx parecera não prever, porque não há capitalismos sem mercadorias e estas, mesmo se criadas sem intervenção humana, destinam-se a um universo de consumidores, que deverão ter recursos para as adquirir. Como será possível resolver o imbróglio de se prescindir do trabalho humano como mercadoria que se compra e se vende, quando a lógica do sistema insta o mercado a crescer sem parar, o que pressupõe a mesma ampliação do número e dos recursos dos consumidores? Trata-se de uma quadratura do círculo para que não existe outra resposta, que não seja a definitiva superação da «mão invisível», que comanda os mercados e a implementação de uma sociedade mais justa e ecologicamente sustentável.
Numa entrevista o realizador referia que houvera quem acusasse o filme de veículo das ideias da direita, porque, apesar do final em aberto, fica a sensação de não haver alternativa e que, no fundo, quem recebeu a parca indemnização traindo os colegas, saiu a ganhar em relação a estes,  condenados a ficarem com uma mão vazia e outra cheia de nada. Mas essa é a leitura que possa convir a quem nisso crê, porque, até na surpresa de inserir cenas surpreendentes (sobretudo a que replica os filmes musicais), «A Fábrica do Nada» cumpre os objetivos de confrontar o espectador com algumas das mais basilares questões dos dias de hoje, desafiando-o a pensar nas possíveis soluções.

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