domingo, outubro 15, 2017

(DL) Rapariga Negra, Rapariga Branca

Nas apostas quanto a possíveis Nobéis da Literatura, venho reiteradamente cogitando nalguns autores norte-americanos contemporâneos dada a riqueza literária do que se tem conhecido nessa geografia específica. Claro que nunca teria escolhido Bob Dylan cuja consagração execrei quase tanto como se a opção tivesse sido a do nosso invejoso Antunes. Mas, constatando a escusa da Academia em premiar Philip Roth concentro as  fichas em Don DeLillo, cujos romances densos e bastante questionadores da presente realidade, garantem sempre leitura estimulante. No entanto não ficaria escandalizado se, em alternativa, possa recair em Joyce Carol Oates.
Há uns quantos anos, que não visitava o universo narrativo desta escritora, mas «Rapariga Negra, Rapariga Branca» fez-me lamentar essa distração ao comprovar a sólida construção de uma estória, que se alarga por muitas questões pertinentes da sociedade atual.
Quinze anos após os factos uma professora universitária revela o sucedido em 1975, quando, quase em simultâneo, a antiga colega de apartamento numa das residências da Faculdade de Schuyler, morreu em circunstâncias duvidosas, e o próprio pai, um ativista da esquerda antiguerra, foi preso e condenado a longa pena por combater essa política oficial.
Durante uma boa parte do romance somos levados a crer que se trata do testemunho de uma rapariga branca de famílias influentes a refletir sobre o assédio racista sofrido pela vizinha, que se recusa ser sua amiga. As aparências, porém, escondem a complexidade de Minette Swift , cujo fanatismo religioso justifica sempre o meu espanto por os descendentes dos antigos escravos mostrarem-se tão crentes numa religião em cujo nome foram metidas grilhetas nos seus antepassados. É questão para que nunca encontrei resposta : tendo o ADN dos antigos escravos como é que a população de cor não odeia, nem sequer se alheia de todo o folclore bíblico, legitimador do seu atávico sofrimento?
A pouco e pouco cresceu-me a suspeita de Minette autoinfligir-se as agressões e os insultos, que perturbam toda a academia, conseguindo criar o clima adequado para replicar o caminho para a Gólgota, em tempos idos seguido pelo seu adorado Jesus. É quase no final que tais suspeitas se confirmam com trágicas consequências colaterais: não sendo capaz de denunciar a estratégia suicida da rapariga negra, Genna adoece com inexplicável crise que a leva a trair o próprio pai. Como se o posicionamento progressista dele constituísse o verso da moeda, que levara Minette à morte, tornando-o merecedor de quase tão drástico sacrifício.
Na conclusão do romance podemos rastrear a evocação sobre as experiências juvenis na universidade, o Estado policial controlado pelo FBI, o papel da religião na alienação de parte significativa dos norte-americanos e o estilhaçamento dos laços familiares incapazes de recuperarem dos efeitos de uma liberalização irreversível dos valores e costumes.

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