sábado, outubro 14, 2017

(I) O dever de desobedecer, mesmo em Democracia

O conceito de Resistência faz sentido nas ditaduras, porque pressupõe atividade mais ou menos violenta contra quem oprime e nega a liberdade sem respeito por quem por ela pretende agir.
Numa situação política onde são autorizadas as manifestações, os protestos, as greves e outras formas de desagrado social faz sentido legitimar a Desobediência Civil? Vistas bem as circunstâncias, mesmo nesse contexto mais favorável não faltam razões objetivas para sentirmos indignação perante situações injustas e iníquas. Daí se justifique que, qualquer cidadão, possa revelar o descontentamento de forma não violenta. Tendo a ver com leis injustificáveis, procura-se-lhes a caducidade ou alteração sem pôr em causa o conjunto das demais, que fundamentam a organização política e social nesse momento.
O primeiro teorizador da «Desobediência Civil», à qual consagrou um ensaio com esse mesmo título, foi Henry David Thoreau, que defendia a legitimidade das ações individuais como forma de oposição contra um estado injusto. Por isso mesmo, em 1845, quando contava 27 anos, foi refugiar-se nas margens do lago Walden, entrando em rutura com a sociedade do seu tempo, que considerava justificável a escravatura, o genocídio dos ameríndios ou a guerra expansionista contra o México. Construindo a própria cabana e plantando e semeando aquilo que o alimentaria, o poeta e naturalista, assumiu nesse isolamento a resposta à imposição de um conformismo coletivo que execrava.
O ensaio de Albert Ogien e Sandra Laugier analisa o sentido dessa desobediência no contexto francês, onde ela se tem processado em escolas, hospitais, empresas e universidades, mostrando como tais atos correspondem à recusa da lógica de um modo de governar. Por exemplo se se sente ameaçado por algo, que sinta como uma perda - o emprego, a língua, a sua vontade - o cidadão tem o dever de desobedecer para propiciar o debate público capaz de corrigir a situação.  Foi o que fez a costureira negra Rosa Parks em 1 de dezembro de 1955 em Montgomery, Alabama, recusando-se a levantar do banco do autocarro, para que um dos passageiros brancos se sentasse. Ela revelou aí a quinta essência dessa atitude de desobediência, que constituiria o ponto de viragem na luta pelos Direitos Cívicos em todos os Estados Unidos.
O livro também interroga a vitalidade e a justeza das nossas democracias liberais depois da queda dos regimes ditos comunistas. Porque estão na ordem do dia as questões relativas à representatividade dos eleitores e os limites das maiorias. Alguns debates versam sobre as vantagens das democracias deliberativas enquanto aprofundamento das que se cingem às exigências participativas.
Desobedecer equivale a querer mais Democracia, recorrendo ao nosso espírito crítico para conseguir que a lei melhore. E ela está posta em causa na forma insuspeitada como o poder tende a ser ainda menos transparente do que alguma vez foi. É nesse quadro que a luta de Edward Snowden e de outros lançadores de alertas não pretende mudar o mundo em si, mas que se viva numa democracia efetivamente representativa baseada no voto de todos quantos nela vivem. Algo que as NSA’s e outras agências secretas tendem a impedir.

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