sábado, outubro 07, 2017

(DL) Um Nobel que não se discute embora longe de ser indiscutível

Quando chega esta altura do ano e a atribuição do Prémio Nobel da Literatura é anunciada, costumo ter uma de três reações: ou fico extremamente contente, como sucedeu com a consagração de Saramago, mas também com as de Modiano, Le Clézio ou Garcia Marquez. Há aquelas situações em que me indigno com a escolha da Academia Sueca, porque considero totalmente disparatada a sua escolha, como sucedeu no ano transato com Bob Dylan ou, anteriormente, com esse refinado crápula chamado Camilo José Cela. E há anos como este em que vivemos, quando as escolhas são assim uma espécie de melhoral: nem faz bem, nem faz mal. Ou seja: são nomes defensáveis, porque têm talento e obra publicada de irrefutável mérito, mas, passado o seu momento de glória, acabam por regressar ao quase anonimato onde anteriormente subsistiam.
No caso do premiado deste ano é o próprio editor a reconhecer que, apesar de lhe editar os romances, porque muito os aprecia, o retorno económico desse investimento é negativo porque, pelo menos até agora, poucos exemplares deles conseguia vender. Por sorte as próximas semanas poderão mitigar-lhe significativamente os prejuízos, mas exceto na altura do incontornável obituário, quem se lembrará de Ishiguro daqui a meia dúzia de anos?
A primeira vez que dele ouvi falar foi quando se estreou «Os Despojos do Dia», um memorável filme com Anthony Hopkins e Emma Thompson. A singeleza da história, muito bem enquadrada entre os anos anteriores e os posteriores à II Guerra Mundial numa Inglaterra onde as simpatias germanófilas eram substanciais, parecia indiciar uma capacidade narrativa interessante, embora, a exemplo da maioria dos apreciadores do filme, tenha dispensado a leitura do romance em que se baseara.
Passei depois os olhos por um romance em que ele descrevia uma sociedade distópica onde crianças eram geradas e educadas para virem prestar-se, mais tarde, a verem os seus órgãos principais serem transplantados para os corpos envelhecidos e doentes da elite local. Da tomada de consciência dessa sua condição até à revolta, os personagens viviam um processo de consciencialização, que punha em causa a sustentabilidade daquela sinistra realidade.
Pela imaginação e pelo talento que, quem o leu, lhe reconhece, o Nobel atribuído a Ishiguro é de uma justiça incontestável. E premeia quem cria obras respeitadoras dos cânones evitando à Academia as polémicas dos anos anteriores.
Pessoalmente congratulo-me com o facto de, uma vez mais, um conhecido invejoso da nossa praça ter ficado a chuchar no dedo. Reconhecendo-lhe qualidade literária não suporto a petulância de quem se julga um génio injustiçado. A ver um outro escritor de língua portuguesa a colher esta acalmação, que seja Mia Couto ou Agualusa. Pelo menos ao talento literário associar-se-á um feitio bem mais simpático, menos afetado. Até porque já estamos mais que fartos das historietas sobre os pais, os irmãos ou o temor da inevitável morte.

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