segunda-feira, outubro 23, 2017

(DIM) Coisas vistas por estes dias (I): Hillary Clinton, Diamang, Isabel de Castro

(1) Não tenho particular simpatia por Hillary Clinton e até lhe atribuo grandes responsabilidades na chegada de Trump à Casa Branca, mas a entrevista de quarenta minutos propiciada a Fareed Zakaria mostrou-a serena, confiante e, sobretudo, com uma argumentação muito estruturada a respeito do sucedido e do que possa vir a suceder. Pena é que o público da Fox News sinta uma particular aversão pela CNN (e vice-versa!) embora haja sempre a esperança de ter os desiludidos com as promessas não cumpridas do pato-bravo a arriscar o embate das convicções com as que, naturalmente, seriam as suas se não tivessem sido alienados anos a fio com o veneno desinformativo do canal de Murdoch.
Ainda que possamos lamentar a aparente abulia, que pareceu tomar conta do Partido Democrático, há a expectativa de ver alguém da linha de Bernie Sanders ou de Elizabeth Warren (que excelente Presidente ela poderá vir a ser!) vir a questionar esse eleitorado branco das zonas industriais devastadas do interior dos EUA se, com a nova Administração, a qualidade de vida melhorou ou piorou? Havendo só duas respostas possíveis, restar-lhes-á chegar às devidas conclusões...
(2) No segundo episódio da série «História a História - África», (https://www.rtp.pt/play/p3951/e311974/historia-a-historia-africa) Fernando Rosas abordou o verdadeiro império, que a Diamang construiu à conta da organização colonial do regime salazarista, atribuindo-lhe três funções principais: a ocupação do interior angolano eliminando ou submetendo as tribos indígenas ali existentes; o financiamento da administração colonial e de divisas para a metrópole; e o apuramento dos valores de segregação racial, que era praticado por todo o território, mas que ali ia sendo testada em condições mais de acordo com o que se esperava da evolução dos tempos. Como o historiador demonstrou eram completamente diferentes as casas dos administradores, dos funcionários brancos ou dos trabalhadores negros ali utilizados, seja através da prática do trabalho forçado - que perduraria até aos anos sessenta - ou como assalariados.
Quando se pretende dar do colonialismo português uma imagem mais benigna do que eram as práticas das outras nações europeias a mentira é óbvia: desde o tráfico de escravos a regulamentos definidores de formas de apartheid como as conhecidas na África do Sul, o «Império» português foi voraz na forma como pretendeu consolidar-se à conta da exploração feroz dos povos africanos.
(3) O documentário já tem doze anos, mas a oportunidade para lembrar uma das grandes atrizes do século XX era imperdível. Isabel de Castro nunca quis ser uma grande senhora do teatro como a presunçosa Eunice ambicionou. Não precisou por isso de imitá-la, fazendo-se simpatizante comunista depois do 25 de abril e ardente cavaquista, quando era o filho do gasolineiro de Boliqueime a alcandorar-se á triste figura de ídolo com pés de barro. A forma como falava da sua vida numa altura em que a doença incurável já lhe tornava iminente o desiderato era de uma mansuetude admirável. Contava os desvarios do passado, mas também o orgulho numa profissão em que se reconhecia dotada e pela qual dispensava os truques a que os realizadores a pretendiam sujeitar.
Tendo tido o privilégio de a ver em cena, fica a perenidade da sua memória através dos filmes em que deu o seu melhor.


Sem comentários: