terça-feira, outubro 17, 2017

(DIM) O legado de Lyndon Johnson

Um dos acontecimentos políticos, que mais me marcou a infância foi o assassinato de Kennedy em Dallas. Tinha sete anos e a notícia impressionou-me tanto quanto os acontecimentos em Angola que tinham justificado a Salazar a ordem de mandar soldados para Angola e em força.
Terei perdido algo da minha inocência ao concluir que poderia vir a ser um daqueles soldados mandados para longe com o fito de matar e morrer, ao mesmo tempo que ficava exposta a evidência de nem sequer os homens mais poderosos do mundo escaparem à condição de alvo de uma carabina. A relatividade de tudo, até de um Deus, de cuja inexistência já começava a desconfiar, ganhava espaço determinante em quem viria a ser.
Curiosamente o realizador Jay Roach tinha mais ou menos a minha idade, quando o nome de Lee H. Oswald se nos tornou inesquecível. Admitamos que passou pela mesma ambivalência em relação a Lyndon Johnson, que eu próprio vivi, contaminado pela pergunta de muitos sobre que transformações teria conhecido a América se o antecessor não tivesse sido abatido. As décadas seguintes viriam a esclarecer-nos que não só Kennedy nada tinha do virtuoso revolucionário, que muitos queriam nele ver (ainda que tenha tido o mérito de ser odiado por Salazar, o que nos obriga a dar-lhe o crédito de alguma simpatia!), nem Johnson se poderia reduzir à imagem do bronco texano, que o protocolo da Casa Branca tentava controlar nas suas intempestivas reações.
A peça «All the Way», que Robert Schenkkan escreveu e Bryan Cranston protagonizou nos palcos da Broadway, teve tal sucesso, que Steven Spielberg achou oportuna a sua passagem ao cinema. Não conseguiu que ela tivesse tal expressão, mas produziu-a em forma de telefilme e com indesmentível mérito para o já referido Jay Roach. Porque a imagem, que nos faculta de Johnson é a de ter vivido os primeiros anos de presidência sob o fogo cruzado das diferentes forças apostadas em empurrá-lo nesta ou naquela direção. Luther King pretendia a concretização plena da Lei dos Direitos Cívicos prometida por Kennedy, os senadores e congressistas democratas do Sul dos EUA nem queriam ouvir falar da possibilidade de ver os negros equiparados aos brancos, o FBI de Hoover prosseguia a cruzada anticomunista e a indústria militar pretendia ver o Exército no Vietname o mais rapidamente possível. No meio do sucessivo apagamento de fogos, conseguindo um voto aqui e outro acolá para compensar os que ia perdendo à medida que se aproximava a data da sua própria eleição para legitimar o mandato, que as circunstâncias lhe tinham dado sem o esperar, Johnson só pretendia concretizar a sua própria visão política, que passaria por políticas mais assertivas contra o empobrecimento e o analfabetismo.
Apreciamos mais uma excelente interpretação de Cranston, secundado por um enorme lote de secundários (Melissa Leo, Frank Langella, Ray Wise, entre outros), e ficámos bem mais inteirados sobre o que foram esses anos em que os EUA continuavam a atirar combustível para essa inquietante fogueira, que era a Guerra Fria.

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