sexta-feira, outubro 27, 2017

(DL) Coisas de livros (IV): Mega Ferreira e Jonathan Franzen

(1) Das vezes que fomos a Itália nunca tivemos a sorte de visitar San Gimignano, que um amigo considera ser uma das mais belas cidades que ali conheceu. Olhando para o mapa dá para perceber que passámos-lhe nos arrabaldes, quando fizemos o percurso entre Siena e Florença mas, nessa altura, nunca dela ouvíramos falar. Agora reencontramo-la citada no livro do Mega Ferreira sobre as suas viagens por terras transalpinas («Itália - Práticas de Viagem»), e em que faculta uma informação singular: as torres enormes de muitas cidades italianas surgiram quase todas no período medieval porque, perante os riscos de guerra, as cidades tenderam a fortificar-se e o espaço no seu interior era muito restrito. Não podendo crescer horizontalmente, a solução era fazerem-no no sentido vertical. Sobretudo para servirem os senhores mais abastados, habituados a espaço ilimitado nas casas das redondezas, mas ali  submetidos às contingências de não as poderem replicar.
No capítulo seguinte o autor aborda a personalidade de Dante Alighieri e lá veio a evocação de uma memória já algo diluída da passagem por Florença. Nessa altura tivemos por guia uma sujeitinha horrorosa que, nos comentários, denunciava a evidente simpatia por Berlusconi, então no auge como primeiro-ministro. Precisamente junto à igreja de Santa Margherita, onde o poeta da «Divina Comédia» se tomara de amores assolapados por Beatrice Portinari, esses ditos e reditos extravasaram-nos a paciência e abandonámos os basbaques do nosso grupo, que pareciam de queixo caído perante a «erudição» da detestável criatura.
Foi quanto ganhámos porque dali cirandámos até à Galeria dos Ofícios e passámos um resto de tarde muito mais agradável e proveitoso. Desde então, quando o poeta florentino se cruza connosco lá voltamos a ser assombrados por aquela mostrenga.
(2) Na entrevista que a Revista do «Expresso» da semana passada, trouxe com o norte-americano Jonathan Franzen ele propõe uma interpretação pertinente sobre a vitória de Trump nas últimas eleições presidenciaisconsiderando-a fruto de trinta anos de alienação televisiva e de alguns menos de intoxicação das redes sociais. Terão sido elas a, segundo constata, alimentarem a “obsessão pela personalidade e a ausência de conteúdo no debate político”.
Nós próprios podemos vir a sofrer idêntico efeito graças ao lixo televisivo de que a SIC e a TVI se têm incumbido com assinalável esforço, nomeadamente através daquele tipo de reality shows, que nos levam a espantarmo-nos com a falta de algum comedimento autocrítico por quem ali se expõe muito para além do que a sensatez lhe deveria ditar. Importa, pois, criar um ataque incessante, por todos os meios ao nosso alcance, ao tipo de televisão que estupidifica, aliena, exigindo, pelo contrário, que retenha algo do projeto original de se constituir em ferramenta formativa das massas de espectadores. E nas redes sociais importa vencer pelo número os que delas se servem para disseminar fake news  e conceitos inerentes aos seus preconceitos xenófobos, sexistas e, quantas vezes, abertamente fascistas.
A cidadania também se reveste dessa componente militante: se há quem use a web para dilatar a influência das ideologias de direita, que sejamos mais, muitos mais, a propor as conotadas com as esquerdas. Só assim poderemos vencer o combate por uma civilização mais decente...

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