terça-feira, outubro 17, 2017

(EdH) Três portugas na Revolução Russa

Se por um passe de mágica o Steven Spielberg me aparecesse à frente, qual génio da lâmpada, a dizer-me estar a Amblin carregada de dinheiro para uma superprodução e não ter qualquer estória interessante para passar a filme, eu tiraria logo da manga a da incrível experiência vivida pelo nosso diplomata Jaime Batalha Reis na Rússia czarista e revolucionária entre 1912 e 1918, culminada sobretudo no turbulento regresso a Portugal.
Com os meios habitualmente mobilizados por Hollywood para as suas mais ambiciosas produções poderíamos ver o diplomata a chegar a São Petersburgo para representar a jovem República no jubileu do ano seguinte quando, com todo o fausto dourado típico da corte russa, o czar Nicolau II pretendia comemorar o tricentenário da dinastia dos Romanov.
Logo à chegada Batalha Reis teria uma surpresa: ao apresentar credenciais aos soberano este confidenciou-lhe ter almoçado nesse mesmo dia na propriedade de Tsarkoe-Selo com o exilado D. Manuel II. Mas, temendo reação antipática do anfitrião, logo pode descansar, porque este acrescentou que o derrubado rei português o qualificara como homem muito sábio.
Se a estadia deveria ser curta para que o diplomata concluísse a carreira de embaixador em Madrid, então topo de tal carreira, a guerra de 1914 reteve-o junto ao Báltico na companhia das duas filhas solteiras, que com ele continuavam a viver e lhe governavam as preocupações domésticas desde que a mãe as deixara órfãs.
Começam então as privações, porque o conflito europeu e, depois, aqueles meses confusos entre fevereiro e outubro de 1917 dificultaram a aquisição dos alimentos essenciais e a lenha com que se podiam aquecer. Mas essas dificuldades não teriam qualquer paralelo com as conhecidas após a vitória bolchevista, quando Batalha Reis e as filhas decidiram abandonar a capital soviética na direção de Murmansk, depois de falhada a opção Helsínquia (por a própria Finlândia estar acossada em violenta guerra civil!), atravessando regiões inóspitas, sofrendo fome, sede, frio e sobretudo medo sempre que se cruzavam com patrulhas do exército Vermelho, até conseguirem apanhar um barco para Newcastle.
Embora se tratasse de argumento onde a componente romântica tivesse de ser inventada (que tal o namoro de uma das balzaquianas com um oficial da Cavalaria czarista vítima dos façanhudos revolucionários?) teria tudo para ser oscarizável: cenários majestosos, grandes dramas humanos e um final feliz, que mandaria os espectadores felizes e contentes para casa. Até se lhe poderia acentuar a visão habitualmente maniqueísta do cinema norte-americano sobre os comunistas apresentando estes como mauzões da pior espécie e mostrando os derrubados soberanos como simpáticas e incompreendidas vítimas das circunstâncias históricas.
Digam-me lá se não é uma ideia de estalos? Seria um daqueles casos em que as bilheteiras não tinham cofres que bastassem para guardar tão prodigiosas receitas.

Sem comentários: