quarta-feira, outubro 25, 2017

(DIM) Amanhã no Cineclube Gandaia: «Reds» como evocação da Revolução de cem anos atrás

Mas que belo livro é «Os Dez Dias que Abalaram o Mundo» de John Reed! Mais do que uma excelente reportagem por quem testemunhou ao vivo a tomada do Palácio de Inverno pelos bolcheviques, o livro revela quão frágil foi o novo regime nas primeiras semanas, quando os ataques vindos de todas as direções - incluindo as interiores! - justificaram a emergência de uma espécie de paranoia conducente àquilo que alguns quiseram depreciar com a designação de «poder totalitário».
A História ensinava aí - como viria a suceder com Cuba ou com a Venezuela atual - que as boas intenções dos líderes acabam sempre por ceder aos seus piores fantasmas, tão só logo comece a sabotagem intensiva dos novos modelos de organização política e social. Daí o interesse do livro e do filme dele adaptado por Warren Beatty.
O conhecido ator e realizador leu o livro em 1960 e logo o pensou transpor para o ecrã, o que, numa América ainda há pouco libertada dos piores efeitos do macarthismo não deixava de constituir assinalável audácia.
Nos anos seguintes ele foi trabalhando no argumento com alguns escritores da sua confiança e tinha uma primeira versão pronta para filmar em 1969. Daí que os testemunhos de diversas personalidade, que viveram in loco a Revolução Russa, conheceram John Reed ou a esposa, Louise Bryant, ou procuraram criar e consolidar o Partido Comunista norte-americano, tenham sido rodados em 1971, quando já estavam em idade avançada. Alguns deles já tinham falecido, quando essas colaborações foram inseridas no filme que só se estrearia dez anos depois.
Em 1981, quando «Reds» chegou aos ecrãs de todo o mundo, a vertente política vinha adoçada com o envelope romântico da estória de amor vivida por Jack e por Louise, com um relativo triângulo personificado pelo dramaturgo Eugene O’Neill com quem ela vivera momentâneo idílio antes de partir para Petrogrado. Estava-se então no início do primeiro mandato de Ronald Reagan na Casa Branca e a retórica em torno do «Império do Mal» prometia devolver o planeta aos piores receios dos tempos da Guerra Fria. Por isso mesmo uma saga épica sobre a Revolução Russa tinha de conter dois ingredientes inseridos por Beatty: a tal estória amorosa, que parece ganhar excessiva relevância, e sobretudo a enfatização nas divergências entre a liderança bolchevique, sobretudo entre Zinoviev e Lenine.
Beatty não pretendia interpretar qualquer papel, preferindo dedicar-se apenas à realização do filme, mas o recurso a John Lithgow não se revelou exequível. Para o papel de Louise começou por imaginá-la interpretada por Julie Christie, com quem vivia nos anos 60, mas tendo-a trocado sentimentalmente por Diane Keaton foi esta quem agarrou, excelentemente!, essa personagem. Mas se há surpresa quanto às interpretações ela justifica-se, sobretudo, com Jack Nicholson, cujo registo contido é totalmente oposto ao habitual histrionismo das suas prestações noutros filmes.
A rodagem deveria durar 15 a 16 semanas, mas prolongou-se durante um ano, muito por culpa do excessivo perfeccionismo de Beatty, que não se contentou em certas cenas com menos de sessenta, setenta, e até cem takes, levando muitos dos atores e atrizes à beira de um ataque de nervos. Terá sido essa uma das razões para a deterioração no relacionamento com Diane Keaton, em breve descartada em proveito de Annette Benning.
Quando a equipa incumbida da montagem do filme pegou no material proveniente da rodagem tinha 130 horas de filme para encurtar para uma duração mais consentânea com uma sessão de cinema. Ainda assim ele tem mais do que três horas  e um quarto de duração, o que justifica a opção do Cineclube Gandaia em apresenta-lo em duas partes, interrompidas a meio para o jantar.
«Reds» é, assim, a melhor das versões possíveis do livro de John Reed tendo em conta as circunstâncias políticas e os condicionamentos de produção em que foi rodado, mas para quem pretenda ter uma ideia relativamente próxima das circunstâncias em que o regime czarista deu lugar à grande Revolução do século XX, ele cumpre essa função. Sem deixar de, simultaneamente, dar conta de como a emancipação das mulheres deu saltos de gigante por essa altura, graças a mulheres notáveis como foi a própria Louise Bryant, por muito que, um século depois, ainda sobrem juízes desembargadores a absolverem energúmenos em nome da suposta condenação bíblica e social das mulheres adúlteras.

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