domingo, outubro 08, 2017

(DIM) Al Berto, um poeta cinematograficamente biografado

Confesso, que nunca me entusiasmei nem com a personalidade nem com a obra de Al Berto: na época em que ele era o mais que tudo de uma certa intelectualidade lisboeta, que tinha no «Frágil» do Bairro Alto o centro do mundo, associava-o ideologicamente ao espetro político oposto do meu. Umbiguista por natureza, pensando quase exclusivamente no seu prazer, cultivava um individualismo, que encontraria particular expressão no «Independente» de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas e viria a servir de batedor ao exército da Alt-right à portuguesa, que fez do governo de Passos Coelho o veículo preferencial para a mundança do país de acordo com os seus valores.
Em poesia ou em prosa a Literatura deveria servir - e ainda acredito ser essa uma das suas vocações incontornáveis! - a de denunciar as disfuncionalidades sociais e, na medida do possível, lançar pistas para que elas venham a ser corrigidas. Algo que dificilmente vislumbraremos nos textos de Al Berto.
E, no entanto, quer com Rimbaud no final do século XIX, quer com Genet já nos três primeiros quartéis do século XX, a literatura apostada no hedonismo homossexual possibilitou o questionamento de preconceitos a contrario da evolução social, que as novas tecnologias impunham. Pode-se concluir que, mesmo sem terem consciência do potencial transformador dos seus comportamentos e ideários, alguns criadores puderam perturbar seriamente os equilíbrios cristalizados cuja perenidade já não fazia qualquer sentido.
O filme de Vicente Alves do Ó repete o objetivo já por ele assumido com a biografia de Florbela Espanca: o de confrontar quem, pela sexualidade, choca as certezas enquistadas de quem os rodeia e torna-os vítimas da incompreensão, se não mesmo do ódio de quem se sente inseguro perante o evidente prazer por eles colhido das suas «escandalosas» opções.
Apesar de dominada politicamente pelo PCP, o regresso de Al Berto a Sines logo após a Revolução dos Cravos constituiu muito mais do que uma pedrada no charco: como podia a vila aceitar que o filho de um dos mais notórios comunistas da terra se tivesse transformado no amante público do falido herdeiro de uma das suas famílias mais abastadas? Se Romeu e Julieta tinham sofrido o que bem sabemos, por quanto Shakespeare nos contou, mesmo sendo de géneros opostos, como podia aquele meio tão pequeno aceitar algo de semelhante entre dois rapazes do mesmo sexo?
Apesar de malquisto pela crítica, que lhe encontrou mais defeitos que virtudes, «Al Berto» justifica plenamente a visão, porque testemunha a transformação iminente suscitada pela construção do Complexo portuário e petroquímico, que atrairia quem se veria atraído pela possibilidade de bons empregos. Os usos e costumes teimavam em sobreviver, mas era a mudança imposta de fora a virá-los do avesso!
Tendo ali estado frequentemente nessa segunda metade dos anos setenta, achara Sines entediante por falta de sítios onde a cultura tivesse algum cabimento. Nessa época não imaginara que Al Berto abandonara há bem pouco tempo a expetativa de a estimular a partir dos saraus literários e das festas no seu palacete ou da livraria, que gente cobarde vandalizaria. Na época reinava um comprometido silêncio a seu respeito como se tudo tendo feito para o expulsar, a vila sentisse a má consciência de tal vilania.
O filme acaba por ter por tema os custos de se procurar ser irreverente onde o conformismo tem força de lei...

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