domingo, outubro 29, 2017

(AV) Gauguin, aquele que se pretendia selvagem

Nesta última tarde dominical de outubro o canal Arte apresenta pelas 16.35 um documentário dedicado a Paul Gauguin, um artista a que vale sempre a pena regressar pela riqueza da sua vida e obra. Para os possíveis interessados aqui fica a tradução livre de alguns dos materiais de apoio distribuídos pelo canal em causa para estimular a sua apreciação.

“Amo a Bretanha. Encontro aí o selvagem, o primitivo.”, escreveu Gauguin. Esse “selvagem” e “primitivo” que procurará, igualmente, no outro lado do mundo, na Polinésia.
Foi em tão distantes territórios, que o tempestivo artista maldito forjaria o estilo muito próprio e precursor de movimentos estéticos, que se lhe seguiriam. De um e de outro recolherá temas e motivos, que contrastavam o ocidental e o exótico, o real e o imaginário.
Gauguin, que chegou tardiamente à pintura como autodidata, depois de viver anos como marinheiro, e outros tantos como chefe de família e corretor na Bolsa, procurou-se a si mesmo na arte, a que conferiu dimensão mística e onírica. Os quadros simbolistas inspiram-se na arte sagrada da Bretanha, conhecida pela dimensão espiritual rústica, presente no «Autorretrato com Cristo amarelo» ou na «Visão depois do sermão», também conhecido como «A luta de Jacob contra o anjo», obra-manifesto da Escola de Pont-Aven, de que era o líder.
Asperamente criticada, esta tela de 1888, apresentava cores contrastadas e coabitava o natural com o sobrenatural, integrando em simultâneo as influências japonesas, medievais e exóticas.
Acontecia o mesmo no retrato de uma bretã com o seu toucado tradicional («La belle Angèle») onde, ao estilo japonês, acrescenta a figura de terracota oriunda da infância peruana de Gauguin, que servira de matriz para a vocação para demandar terras distantes.
Paradoxalmente os símbolos religiosos ocidentais incrustam-se nos quadros do período taitiano, focalizados no desejo da pureza original e na rejeição da civilização moderna.
Em «Orana Maria»  (1891) há a transposição polinésia de um tema cristão ao lembrar o anjo das asas douradas do referido «Visão depois do sermão». Dececionado pela realidade colonial cria sumptuosos retratos de mulheres polinésias com as cores solares do mundo primitivo por que aspira.
A arte do escandaloso e contumaz Gauguin - que morreu miseravelmente nas ilhas Marquesas em 1903 - é também o fantasma de uma inocência perdida.
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Até morrer em 1903, Paul Gauguin pretendeu alcançar um mundo original e ideal através da arte.
Nascido em Paris em 1848, vive uma infância feliz em Lima (Perú) de que sempre guardará recordação encantatória, que lhe influenciará a vida e a obra.
Na juventude embarca como marinheiro e percorre os oceanos até se sedentarizar em Paris para aí assumir um período burguês com a esposa, a dinamarquesa Mette, de quem terá cinco filhos.
Artista autodidata encontra Camille Pissarro em 1874, tomando-o como mentor. O crash financeiro de 1882 fá-lo abandonar a Bolsa de Valores, onde ganhava o sustento da família, decidindo-se a levar a sério o talento de pintor.
A mudança para a Bretanha justifica-se por aí buscar um mundo selvagem com a pureza primitiva das tradições camponesas. Acontece depois o episódio desastroso do convívio com Van Gogh em Arles no final de 1888, altura em que se instala em Pont-Aven, liderando uma pequena comunidade de artistas marginais como era o caso de Paul Sérusier, que será um dos nomes cimeiros do movimento nabi.
Sentindo esgotada a inspiração, procura-a do outro lado do mundo, no Taiti, onde residirá entre 1891 e 1893, totalmente à margem da sociedade colonial e tendo as três mulheres a servirem-lhe de modelos para os coloridos quadros evocativos de um mundo arcaico desaparecido.
Doente, regressa a Paris, onde a exposição dos seus quadros motivam escândalo.
Afetado pela incompreensão de que se vê alvo e totalmente falido volta ao Taiti em 1895 para se suicidar. Acaba, porém, por procurar reinventar-se nas ilhas Marquesas onde morre no mês anterior a completar 55 anos.
Graças a sequencias de animação baseadas no universo onírico de Gauguin, a realizadora Marie Christine Courtès retrata o doloroso percurso artístico deste pintor com sonhos obsessivos e também revela o trabalho de escultor e de ceramista.
No ecrã as obras misturam-se com os arquivos para evocar os seus conceitos tão sonhadores quanto melancólicos.

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