sábado, outubro 07, 2017

(DIM) A curiosidade cinéfila do Quixote rodado por Orson Welles

No Espaço Nimas passou há dias a versão do «Don Quixote» de Orson Welles, montada por Jess Franco para ser mostrada na Exposição Mundial de Sevilha em 1992. Apresentada pelo blogue «À Pála de Walsh» como oportunidade para refletir sobre a legitimidade de apropriação do material inacabado, a que o seu criador nunca dera forma definitiva, é essa a questão essencial: se o próprio Welles esforçara-se por dificultar a tarefa de quem se atrevesse a tal propósito, deixando o material disperso por diversas geografias e disfarçado em caixas etiquetadas como se contivesse películas pertencentes a outros projetos, não terá constituído uma traição essa tentativa de comercializar uma hipótese sobre qual seria a sua versão definitiva?
Rodado entre as décadas de 50 e de 70 e situando o personagem de Cervantes no mundo atual, Welles pretenderia metaforizar o seu encontro disfuncional com as grandes questões existenciais desse tempo. Tivesse ele tido os meios necessários para tornar possível o que concetualizara e podemos supor a bela obra-prima, que resultaria. O problema é que, a exemplo de outros projetos também deixados por concluir, Welles viveu sempre em grandes apertos financeiros, complementados com relacionamentos difíceis com quem confiava poderem-lhe financiar os filmes. Por isso embora muito do material disponibilizado pela versão de Franco ostente uma beleza formal irrepreensível, resultou heterogéneo o bastante para que o seu autor nunca se atrevesse a conferir-lhe essa forma definitiva. Às tantas terá assumido que ele permitia-lhe o «hobby» de o entreter na moviola nos seus tempos de lazer, sem justificar objetivo mais ambicioso.
No fundo a versão de Franco permite questionar a legitimidade dos restauros. Quando, por exemplo, percorremos as galerias de Versalhes e damos com pinturas de cores exuberantes, sem sinal da patine do tempo e a que foram aplicadas novas camadas de tinta para se parecerem com as originais, poderemos considerar que existe efetiva identidade entre o que foram e no que se tornaram? É isso que sucede com esta proposta: pode parecer ao jeito de Welles, mas definitivamente não o é de todo!
Até pelas circunstâncias em que o tarimbeiro Franco cuidou de encontrar raccords nos materiais acumulados na sua mesa de montagem, este «Don Quixote» assemelha-se aqueles fortes dos piratas nas Disneylãndias, que nenhuma semelhança efetiva têm com os originais existentes nas Caraíbas.

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