terça-feira, outubro 17, 2017

(DL) As Primeiras Coisas de Bruno Vieira do Amaral

A Literatura Portuguesa está de boa saúde e recomenda-se como se depreende da leitura proposta pelos sucessivos galardoados com o Prémio José Saramago.
Bruno Vieira do Amaral recebeu a distinção em 2015 e logo confirmou a justeza de ser dos autores mais estimulantes de quantos traduzem em matéria literária as respetivas reflexões sobre o estado atual das coisas que vivemos.
Em «As Primeiras Coisas» travamos conhecimento com um narrador na casa dos trintas, que saiu de casa como corolário da deterioração afetiva com Sara. Não porque fosse essa a sua intenção, mas porque a tal se viu obrigado.
Sem outro sítio para onde ir regressa aonde crescera, no outro lado do rio. É o Bairro Amélia, muito semelhante àquele que o próprio autor conheceu na Moita. É ali que a mãe tem casa e onde, desempregado, poderá viver uma pausa antes de renascer. Porque essa é uma das primeiras conclusões a retirar do romance: se queremos dar a volta às contrariedades importa retomar o espaço anterior àquele onde se verificou a crise presente, porque dali se transitará para novo ciclo.
Como se entrasse numa espécie de Divina Comédia, o filho pródigo arranja um guia na pessoa de um Virgílio fotógrafo, que pode esclarecê-lo sobre todos os hiatos estabelecidos nas vidas dos que conhecera e tinham desaparecido ou dos que, aparentando ser os mesmos, tinham mudado significativamente nesse tempo de ausência. Recorrendo à ordem alfabética cada capítulo é uma espécie de ficheiro organizado em função das pessoas, dos espaços ou das situações, que ali testemunha. De forma fragmentada - mas não é assim que o «disse disse» em que muitas dessas informações lhe chegam ? -, começamos a criar do Bairro Amélia uma visão global em mosaico, que o fazem assemelhar a todos os subúrbios onde a sobrevivência é questão de todos os dias e muitas vezes extravasa os cânones da legalidade.
Há abortos e raparigas que desaparecem, homicídios em assaltos de incauto amadorismo, velhos que sonham com as perdidas vastidões africanas, poetas fracassados, empregadas de café concupiscentes e esperançosos futebolistas traídos por acidentes infortunados. Conhecem-se todas essas personagens e elas ajustar-se-iam facilmente a tantos outros arrabaldes da capital, mas o que releva do romance é o quanto está bem escrito e  construído, tornando da sua fruída leitura um grato prazer.

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