domingo, novembro 26, 2017

(DL) Um escritor corajoso e sempre disposto a lutar pelo que acreditava

Publicado em 2014, o livro de crónicas «Tempo de Combate» é o derradeiro de Baptista Bastos, um dos escritores mais influentes do nosso século XX português. Na altura do seu aparecimento ele não poderia revelar-se mais oportuno ou não estivéssemos a viver o tempo sombrio do governo da troika, que a todos pretendia conformar com o empobrecimento e a aceitação de um agravamento obsceno das diferenças de rendimentos entre os cada vez mais ricos e os que sofriam cortes nas pensões, nos salários e nos direitos fundamentais, não lhes sendo sequer facultada a esperança num qualquer amanhã. Eram os idosos abandonados à sua má sorte e os jovens empurrados para o êxodo onde pudessem ter qualquer hipótese de se empregarem.
Baptista Bastos reiterava o carácter sagrado do 25 de abril e de tudo quanto ele representara e continuava a irradiar como contraponto a esse tenebroso viver.  Porque, apesar de tudo, o desalento não era maior do que o por ele vivido nos tempos do fascismo, época em que, mesmo nos piores tempos de escuridão, nunca faltara quem resistisse, quem dissesse não. Daí que recordasse o grande jornalismo, que se praticara contra a censura, e sem qualquer semelhança com a degenerescência em que caiu nos anos de Democracia, sobretudo nos que temos presenciado mais recentemente. Fora o tempo em que pudera aprender com grandes mestres, que tanto comandavam as linhas editoriais dos jornais - um Aquilino, um Raul Brandão - como depois assumiam um outro registo, superlativamente literário, nos romances e ensaios, que publicavam.
Bastos nunca deixou de prestar reverência aos companheiros inesquecíveis com que alimentou mil tertúlias: Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Joaquim Namorado e tantos outros com que partilhava indignações e utópicos augúrios. A relatividade das certezas aparentes depressa a adquiriu, constatando a rapidez com que elas se transformavam em dúvidas de sinal contrário. Um bom exemplo de que se lembra é o de, poucas semanas antes de se ver apeado do poder, Marcelo Caetano ter sido recebido com calorosas saudações pelo repleto Estádio de Alvalade em dia de importante jogo de futebol. Quantos desses que, então, lhe bateram palmas, afiançariam um mês depois sempre terem sido convictos oposicionistas ao regime?
Bastos recorda, igualmente, as dificuldades que passou desde criança e tão importantes para lhe criarem a consciência política e social doravante parte integrante da sua forma de ser e de estar. Data de então a total repulsa pelos mentirosos e pelos cobardes, o que condiz com a lenda de frequentemente ter defendido a punhos e pontapés as injúrias de que se via alvo. 
Escritor a que vale a pena sempre voltar, ele sempre se assumiu tão contraditório que, ateu convicto, deixou Bíblias sublinhadas e comentadas, porque a elas voltava amiúde por lhes reconhecer a qualidade de se constituírem em verdadeiros tratados da consciência. 

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