sábado, novembro 04, 2017

(DIM) Crónicas de uma terra de ninguém

Quando pertenci à tripulação do paquete «Funchal» durante três anos, os verões eram passados a percorrer os fiordes da Noruega com algumas incursões à Islândia e aos arquipélagos situados acima do Círculo Polar Ártico, arriscando a navegação até ao pack ice, ou seja àquela extensão branca de gelo a partir da qual se poderiam iniciar explorações até algumas centenas de quilómetros mais a norte para colocar bandeiras no Pólo.
Pelo menos por duas vezes passámos ao largo de uma ilha de Svalbard, arrendada pelo governo soviético aos noruegueses para aí manter ativa a exploração das minas de carvão. Não chegávamos a fundear na respetiva baía, mas aproximávamo-nos o bastante para apreciar o bulício dos tapetes a trazerem para a superfície o mineral escavado nas profundezas da montanha.
Não sei qual a distância entre essa colónia de Barentsburg e Pyramiden, outra mina que os russos abandonaram em 2000 e cujo aspeto fantasmagórico sugestionou Christine Reeh a nela projetar a  rodagem do espectral «Crónicas de Polyaris».
O filme, com a duração de sessenta minutos e subsidiado pelo nosso ICA, conta a história de um homem que, na sequência de um acidente aéreo, vê-se amnésico e completamente entregue a si numa aldeia mineira russa onde ainda estão bem presentes os sinais da presença de quem dela saiu apressadamente.
A realizadora utilizou um cenário visualmente impressionante para enquadrar esse homem incapaz de compreender em que lado se encontra: ainda o da vida ou já o da morte. E as visitas que um fantasma lhe faz, quando se deixa mergulhar em sonhos indicia que, se não tombou definitivamente no irreversível desiderato, para ele se dirige sem hipótese de remissão.
Às tantas podemo-nos questionar se Pyramiden não é a metáfora de um regime, que implodiu e deixou nessa indefinida terra de ninguém quantos nele haviam crescido e se viram incapazes de encontrarem passaporte para qualquer outra mais acolhedora.

Sem comentários: