sexta-feira, novembro 10, 2017

(DL) Lydie Salvayre alerta para a banalização do ódio

Um homem entra no café de uma aldeia do sul de França e a reação dos que ali estão sentados é de ostensiva hostilidade. Olham-no com estranheza, como elemento perturbador da sua rotineira tranquilidade.
Depois de ter ganho o Prémio Goncourt em 2014 com «Pas Pleurer», Lydie Salvayre volta a publicar um novo romance com o elucidativo título de «Tout homme est une nuit». O protagonista, Anas, com um cancro a disseminar-se rapidamente dentro de si, decide viver os últimos dias na solidão, exilando-se numa uma aldeia não muito distante do sítio onde nascera. Longe da capital e de quem ama, porque não os pretende incomodar com a irreversível degradação de si, preferindo que o recordem como sempre o conheceram.
Não contava, porém, com a reação dos aldeões, subitamente desestabilizados por aquele desconhecido, cujos motivos para ali se radicar não imaginam quais são. Estão pois criadas as condições para os equívocos, para o diálogo de surdos, com as falas a coabitarem no mesmo espaço sem se conseguirem cruzar. Inevitável se torna a incompreensão, a desconfiança, as suspeitas, os medos infundados.
Foi por sentir que, em França, está a crescer um clima doentio como o que suscitou o caso Dreyfus, que Lydie Salvayre decidiu abordar esta incomunicabilidade entre pessoas diferentes nos valores e na cultura. Porque é pasto fértil para a banalização do ódio. Ora, enquanto escritora, ela sente a obrigação de denunciar uma sociedade cada vez mais fechada em si mesma, decidida a reagir com suspeição contra quem sente como «estranho».
Nesta Europa que reagiu da forma que se sabe contra o afluxo de emigrantes através das águas mediterrânicas, o livro de Lydie Salvayre procura constituir-se como o alerta para as reações odiosas de quem neles viu pretexto para erradicar dos parlamentos e dos governos os que defendem os valores da solidariedade para com os desesperados, para os que apenas aqui acorreram, pressionados pela urgência em sobreviver. 

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