terça-feira, novembro 28, 2017

(AV) Susan Meiselas na primeira linha

Ela é fotógrafa, membro da agência Magnum, e tornou-se conhecida com as imagens  coloridas da América Central nos anos 70 e 80, sobretudo na Nicarágua. No início do ano Susan Meiselas terá uma retrospetiva de referência na Jeu de Paume, em Paris, e acaba de publicar um álbum, que irá servir de aperitivo de material de apoio para tal exposição.
Instada a escolher a fotografia mais significativa nos quarenta anos de profissão ela escolhe a do Molotov Man, tirada precisamente na Nicarágua, no último dia da insurreição, e que se tornaria icónica  de tal revolução.
Sem qualquer prévia formação nas artes  visuais, Susan Meiselas responsabiliza os muitos filmes, que viu, como estando na origem da sua vocação. Até porque, nesses longínquos anos sessenta, quando estava na universidade, ainda não existiam disponíveis cadeiras ou cursos sobre esta área artística. Em compensação alimentava-a uma enorme curiosidade por tudo quanto se passava à volta e ansiava entender. À distância considera ter sido uma benesse essa ausência de saber académico, por ter sido obrigada a tudo aprender no terreno, quando já estava perante a tal realidade, que pretendia escalpelizar.
Na fotografia também lhe interessa descobrir o percurso, que faz cada imagem desde o momento em que a capta até à sua publicação e à capacidade para que perdure muito mais duradouramente servindo objetivos, que lhe vão escapando.
Normalmente sabe que tipo de fotografia lhe interessa obter, que enquadramento escolher para nela dar expressão a várias leituras e planos, possibilitando que o olhar nela se passeie para se fixar em vários focos de interesse para além do principal. Trata-se de, em cada uma delas, conseguir o melhor compromisso entre a vertente estética e o conteúdo. Sem esquecer que ela própria está em causa, porque cada imagem revela muito da relação do fotógrafo com o seu tema. A própria cultura da Magnum, com que plenamente se identifica, é a de não se sentir fotojornalista, mas assumidamente uma autora no que isso significa de especificidade na sua identidade artística.
A exemplo de Raymond Depardon, Meiselas considera que tão importante, quanto aquilo que a imagem mostra, é também o que sugere, o que deixa implícito, o que revela nessa ausência do que representa mas o espectador conclui. O tema deve sair do próprio enquadramento em que a imagem se mostra. Porque esse enquadramento tende a limitar a autenticidade, esse momento de verdade captado num efémero instante.
Antes de passar uma década a fotografar as relações de poder na América Central, também se dedicou a abordá-los na ótica entre homem e mulher nos EUA até por então se sentir sugestionada pelas reivindicações do Women’s Lib. Tendo escolhido os temas a que se dedicou, também de alguma forma se viu por eles escolhida, por ter estado no momento certo, no lugar certo para os  captar. Embora trabalhando em sítios onde imperava a violência ela quis captar imagens, que demonstrassem como a vida prosseguia o seu curso dentro desse contexto peculiar e é isso que se constata em muitas páginas do álbum agora publicado.
Nesse livro o leitor encontra-a a expressar-se na primeira pessoa do singular, revelando o processo criativo em todas as séries de fotografias, que criou: das strippers das festas populares da Nova Inglaterra ás zonas de guerra em El salvador ou no Curdistão, passando pela insurreição sandinista na Nicarágua.  Muitas dessas imagens atingiram um público muito alargado, mas outras quase são inéditas, revelando todo o seu percurso.
Susan Meiselas contesta a atitude de muitos colegas, que se consideram no direito de tudo fotografar sem qualquer consentimento explicito ou implícito de quem fica no seu enquadramento. Ela vê a fotografia como uma espécie de colaboração entre quem fotografa e quem é fotografado. Por isso quer que este esteja consciente da sua presença e da possibilidade de se fazer captar pela câmara. Esta tanto pode ser a Leica, como o iphone. A primeira vez que utilizou este meio mais comum na atualidade foi num salão de cabeleireiro em África onde várias mulheres cuidavam dos sublimes penteados enquanto consultavam os telemóveis. Por uma questão de conseguir uma maior autenticidade decidiu-se pela câmara que melhor se assemelhava a tal gadget. Infelizmente uma das melhores fotografias assim colhidas foi rejeitada por quem captara e não gostou de assim se ver retratada. A bem da sua ética viu-se no dever de a apagar. 

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