segunda-feira, novembro 27, 2017

(DIM) Que estimulante Quadrado se estreou agora em Lisboa!

A primeira vez que vi um filme de Ruben Östlund fiquei rendido a uma história onde estavam em causa dilemas morais: perante a ameaça de uma avalancha, que ameaçava soterrar o hotel onde a família passa férias, um pai abandonava a mulher e os filhos para cuidar da própria pele, sendo depois confrontado com a impossibilidade de justificar tal cobardia. Necessariamente o espectador era confrontado com a questão: que faria se estivesse no papel desse pai em tal circunstância? Mostraria desapego á própria vida para acautelar primeiro a dos filhos e da mulher ou imitar-lhe-ia o egoísmo? E, se a identificação fosse com a mulher: perdoaria ou não esse ato sem remissão?
Em «O Quadrado», filme que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e está agora em exibição no Ideal Paraíso, o espectador volta a ser confrontado com dilemas, que não são fáceis: como comportarmo-nos perante os insistentes mendigosa incomodaram-nos na pretendida serenidade com que nos movimentamos nos espaços, até então sentidos como nossos, mas agora tomados de assalto por gente desconhecida?
A questão é tanto mais pertinente quanto, com o afluxo de muitos milhares de refugiados, a esquerda europeia viu-se confrontada entre a necessidade de lançar campanhas humanistas, e, ao mesmo tempo, perder influência eleitoral em detrimento dos partidos xenófobos, os que efetivamente beneficiaram com esse fenómeno migratório. Entre a ética e a realidade que a nega, por haver uma maioria de eleitores descontentes dispostos a votarem contra tanta gentrificação, que opção resta aos mais bem intencionados?
Christian, o curador de um dos principais museus de arte contemporânea de Estocolmo vai conhecer um destino semelhante ao do pai cobarde de «Força Maior»: espoliado do telemóvel e da carteira por um golpe bem elaborado pelos seus autores não imagina como todo o seu quotidiano se virará do avesso, quando procura reaver os bens roubados e acaba por sofrer as consequências da estratégia para os conseguir. Mais roda mandada do que roda mandante de uma engrenagem cujos contornos verdadeiramente desconhece, ele acumulará erros sucessivos na gestão da sua instituição e acabará despedido. Não sem antes se tornar responsável por um hediondo vídeo onde se vê uma criancinha loira ficar em estilhaços ou em participar numa performance manifestamente incómoda para os mecenas do museu, ameaçados por uma artista apostado em revelar o lado mais selvagem da natureza animal.
Tais episódios complementam outras questões não menos relevantes: até que ponto é lícito censurar uma qualquer expressão artística? Ao limitar-lhe as coordenadas aceitáveis não estamos a abrir campo para a autocensura? E o que é a arte, hoje em dia? O efémero pode ter tanta importância como o suporte físico que dela sempre nos habituámos a apreciar?
Filme inteligente, não admira que venha assinado por um cineasta que se confessa abertamente marxista e materialista. A proposta preenche cabalmente essa mundividência: apresenta um sem número de contradições e desafia-nos a sobre elas tomarmos posição. 

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