quinta-feira, novembro 30, 2017

(DIM) Reelogiando Twin Peaks

Agora que chego ao episódio 16, e as coisas começam a clarificar-se, prossigo o elogio enfático à terceira temporada de «Twin Peaks», rodada no ano transato, e que confirma David Lynch como um grande experimentador narrativo criando mistérios na fronteira porosa entre o mundo e o seu duplo sobrenatural. Mesmo quem é profundamente materialista e descrê dessas realidades alteradas deixa-se embalar pela lógica de preferir a lenda à verdade, se ela se revelar mais atrativa enquanto espetáculo. Até porque a revisão dos rostos de há vinte cinco anos, com os efeitos entretanto provocados por tal distância temporal, só nos pode estimular à nostalgia: nós próprios envelhecemos como esses atores e atrizes, que ali surgem com cabelos brancos, adiposidades e rugas, que lhes desconhecíamos quando, mal saídos da adolescência, tinham protagonizado as temporadas anteriores.
Entrando resolutamente na história descobrimos um número infinito de pesadelos prestes a invadir o mundo dos vivos, gerando muitas questões sem resposta.
O universo de Twin Peaks que, inicialmente, tanto se assemelhara ao de aldeias remotas, que conhecemos na juventude, perdeu essa familiaridade e tornou-se tão singular como essa sequência dos primeiros episódios da temporada de 2016 em que um jovem ganha uns patacos a olhar para um cubo de vidro, donde o avisaram provir algo de estranho. De tal forma, que virá dali a morte dele e da namorada…
Depressa começamos a intuir que o passado e o presente tendem a confrontar-se segundo uma de duas lógicas possíveis: num casos substituem-se, noutros reunificam-se. Mas o presente é também uma noção algo problemática: passado um quarto de século a telefonista Lucy do gabinete do xerife continua presa à lógica dos telefones fixos tardando a perceber o significado dos seus modelos móveis. Essa mesma candura surge também em Dougie Jones, a versão solar de Dale Cooper, que qual recém-nascido tem de aprender tudo desde princípio nessa vida para a qual foi lançado sem rede de proteção. Não admira que, para se integrar, passe sucessivos episódios a repetir as palavras ouvidas aos interlocutores, que nessas repetições encontram tanto sentido quanto outrora um outro desadaptado, Mr. Chance, que se via propulsionado a presidente dos EUA.
Há também a cinefilia óbvia de ver num desses primeiros episódios uma réplica de Marlon Brando em pose de «motard»  na personagem do filho dessa citada Lucy e do não menos cândido Andy em cena destinada tão-só a dar essa piscadela de olho a um público mais cinéfilo. No entanto se há algo que ganhe lógicas metonímicas encontramo-las no facto de David Lynch ser o diretor do FBI, que anda à procura de Dale Cooper vinte cinco anos depois, tal qual ele mesmo, enquanto realizador voltou a demandar este universo de que o julgáramos definitivamente apartado.

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