segunda-feira, agosto 28, 2017

(S) Janis a meio século de distância

Quando soube da morte de Janis Joplin, em outubro de 1970, não fiquei particularmente chocado nem impressionado. O rock ‘n rol  já ganhara bastantes pergaminhos enquanto máquina trituradora de alguns dos seus principais nomes: Otis Redding desaparecera três anos antes, Brian Jones no ano anterior e Jimi Hendrix apenas duas semanas antes. E, também não me admiraria com o fim de Jim Morrison daí a nove meses. Por essa altura ainda tinha muito sucesso uma célebre frase do argumento de um filme de Nicholas Ray (“Knock on any door”, 1949) segundo a qual importava, sobretudo, viver depressa, morrer cedo e deixar a imagem de um bonito cadáver.
Por essa altura, e por mais que abundassem livros a dar conta dos perigos de morte inerentes ao uso de LSD e outras substâncias psicotrópicas, elas prometiam estados alterados do conhecimento segundo a proposta de Timothy Leary, um respeitável professor universitário de Harvard. E que justificavam, que se as experimentasse pelo menos um par de vezes.
Na época não tinha grande simpatia pelos temas da cantora: achava-a demasiado gritante para os meus ouvidos, que lhe preferiam coisas bem mais harmoniosas (Peter, Paul & Mary, Mammas & Papas, Beach Boys) ou politicamente sugestivas (Pete Seeger, Tom Paxton, Phil Ochs).
Não fiquei, porém, indiferente ao fenómeno mediático, que se criou em torno da cantora nascida em Port Arthur em 1943 e uma das que alimentou a tese do síndroma dos 27 anos para muitos dos principais vultos da pop music.
O filme de Amy Berg - «Janis: Little Girl Blue» - permite conhecer as circunstâncias em que o patinho feio da escola secundária local e aquela que seria «aclamada» como o «aluno mais feio da Universidade do Texas» andou sempre à procura que a amassem e julgou possível a redenção através da voz incrível com que se punha a cantar blues.
Graças aos testemunhos dos irmãos, dos amigos, dos que com ela partilharam tournées nas várias formações, que integrou ou liderou, percebemos quanto era lógico o percurso autodestrutivo de Janis. A exemplo de Ícaro, a subida a patamares de reconhecimento equivaleu a ver fundidas as asas, precipitando-se fragorosamente na morte.
Apesar de alguns dos festivais onde atuou - Monterey ou Woodstock - fossem seriamente marcados pelas mensagens antiguerra do Vietname nada no seu discurso aponta para uma qualquer consciência política de que pudesse pretender-se porta-voz. Pelo contrário: a sua disputa com as feministas mostra-a como protagonista de um papel muito conservador da mulher, apostada em ver-se muito amada e transformada em fada-do-lar. Papel que não imaginaríamos, de modo algum, possível para quem passou anos e anos desorientada até conseguir da heroína a definitiva libertação de todas as suas assombrações.
Curiosa não deixa de ser o paralelismo com essa outra força da Natureza, que se chamou Amy Winehouse. Com quarenta anos de distância ambas ter-se-ão assemelhado no inato talento vocal para o blues e na incapacidade para encontrarem o tal grande Amor, que as reduziu à mais desesperada solidão. Motivo porque não podemos compreender como, perante esse exemplo anterior tão óbvio, não houvesse quem tivesse estendido debaixo do trapézio onde Amy precariamente se equilibrava uma rede protetora, que a pudesse ter salvo.


Sem comentários: