sábado, agosto 26, 2017

(EdH) Aquela que diz Não!

Eis que o outrora poderoso rei de Tebas, aquele que conseguira responder ao enigma da Esfinge, se perde no tormento do seu destino incontornável. Édipo, que tão admirado fora por toda a Grécia graças à sua sabedoria, tornou-se um pária conhecido que foi o parricídio e a relação incestuosa com a mãe.
Proscrito, vagabundeia no seu exílio, apenas acompanhado pela filha mais velha, Antígona. Severa e triste, ela mantém a cabeça bem erguida, indiferente às injúrias, que lhes lançam pelo caminho. Porque bem sabe quanto o velho cego, que guia em direção a nenhures, tudo tentara para evitar a predição do oráculo de Delfos: se matara Laio e casara com Jocasta, mais não fora porque os julgara sem qualquer relação com o seu nascimento.
Já sem a mãe, que se enforcara como resposta ao desgosto da evidência, Antígona sabe restarem-lhe três irmãos: Éteocles, Polinice e Isméne. E o tio, Creonte, que volta a assumir a regência da cidade, como já o fizera, quando morrera Laios.
O irmão de Jocasta nada decide contra o cunhado, cujo sofrimento, associado à cegueira a que se condenara com os agrafos de ouro retirados do cabelo da rainha, já mais do que bastara. Mas os dois filhos varões não se dão por satisfeitos, querem mais e fazem prender o pai antes de o expulsar de Tebas. Julgam assim compensar-se da vergonha por que ele os terá feito passar.
Na escolha que fez para si mesma, Antígona sabe não vale a pena contrariar o destino: por isso decide ser o único apoio de Édipo nos anos, que ainda lhe couberem viver. O repouso encontra-o na residência de um amigo não longe de Atenas, indiferente à confusão que grassa no seu antigo reino.
Um ano depois, porém, batem à porta. É Isméne que lhe vem contar as vicissitudes de tudo quanto sucedera desde então. Etéocles e Polinice tinham tomado o poder e decidido que, ano sim, ano não, cada um seria o rei numa sucessão sem disputas mútuas. Deixando ao mais velho a primazia nesse primeiro ano, Polinice tinha ido viver para o reino vizinho, o de Argos, e desposara a filha mais velha do soberano local, julgando assim firmar um elo forte entre os dois territórios.
Quando lhe cabe a vez de assumir o ceptro real, Polinice depara com Etéocles disposto a não respeitar o acordo, tão grande fora a vertigem de se saber no poder. Fugindo antes que os soldados do irmão o prendessem, Polinice sai de Tebas decidido a vir reclamar pelas armas o que lhe pertence de direito.
O que Isméne pretende é levar Édipo de volta a fim de decidir qual dos dois filhos merece, de facto, o poder. Mas o velho escusa-se a tal missão, porque devem ser eles a enfrentar o que o destino lhes ditar. Apenas lhe importa o desgosto com tudo quanto lhe acontecera.
Nesse momento um terramoto abre o solo debaixo de Édipo e, impotentes, as duas irmãs veem-no descer lentamente até ao local onde jazem os mortos. Zeus decidira pôr-lhe termo ao sofrimento.
Isméne chora nos braços de Antígona, que permanece impassível. Ela sabe que lhe cabe regressar a Tebas, porque o enorme exército facultado pelo rei de Argos ao genro está a cercar as muralhas da cidade e a forçar as suas sete portas.
As palavras com que tenta apaziguar Polinice de nada valem: ciente da sua força, o irmão quer que Etéocles pague pela sua traição. De igual modo nada consegue do acossado, a quem incita a renunciar ao trono e ao combate. A guerra é inevitável…
Horas a fio os dois exércitos disputam a vitória sem que nenhum se sobreponha ao outro. Já a noite está a cair, quando Polinice propõe ao irmão um combate singular entre ambos, cabendo o reino a quem o ganhar.
Polinice cai trespassado pela espada do irmão e Etéocles rejubila com a vitória, distraindo-se do que se passa com o corpo exangue atrás de si. Não o vê, pois, levantar-se e, num derradeiro gesto, espetar-lhe a sua espada. Os dois filhos varões de Édipo jazem então na poeira.
Antígona chora o triste desiderato da família. Creonte volta a assumir o trono, enquanto organiza os funerais. E decide cuidar para que tal tragédia não volte a repetir-se: Éteocles será venerado como defensor da cidade, enquanto o corpo de Polinice será abandonado no campo de batalha para ser devorado pelas feras. Porque esse deve ser o castigo de quem decide atacar a própria cidade.
Antígona insurge-se contra essa suposta razão de Estado, que condena irremediavelmente Polinice aos infernos sem direito a quaisquer ritos funerários. Por isso levanta-se contra o tio e diz Não, rejeitando que ele assuma decisões que apenas cabem aos deuses. E, durante a noite, decide cuidar dos despojos do irmão, contando para tal com a ajuda de Ismene. Mas esta recusa-lhe o apoio, disposta que está a satisfazer as leis dos homens.
Sozinha ela avança pela planície à procura do cadáver de Polinice e canta-lhe os ritos mortuários. Cobrindo-o de terra, tão só os acaba. Levada prisioneira à presença de Creonte enfrenta-o olhos nos olhos. Ele bem se arrepende de ter promulgado aquela lei terrível, mas agora não tem escolha: devido à sua irreverência, Antígona deve morrer. Mas os guardas não ousam tocar-lhe tão forte é a determinação, que a anima. Será ela quem avança impassível até à cripta onde está a família sob o olhar consternado dos habitantes da cidade. Entrando naquele espaço, Antígona vê os guardas fecharem-no para que aí aguarde a morte. Mas simbolizará quem, pela primeira vez, se insurge contra o poder absoluto…
Antígona representará sempre a resistência em nome da consciência contra as leis divinas ou as de Estado. 

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