terça-feira, agosto 22, 2017

(DL) Livro que é livro, em papel é!

Andando já nos sessentas não me vejo a substituir os livros em papel pelas suas versões digitais. E, no entanto, em tempos idos, teria sido um entusiasta dessa solução. Mas esses eram os anos em que saía de Lisboa para Miami ou Tóquio a fim de embarcar em navios e metade dos quarenta quilos de carga eram livros para desfrutar nos quatro ou cinco meses seguintes.
Só nessa situação admito que a alternativa seria aliciante, porque me facilitaria - e muito! - o esforço de carregar com tal peso. Nesse aspeto nunca esquecerei a experiência vivida em Gove, um minúsculo aeroporto no norte da Austrália onde iria ao encontro do «Team Trinta» e a pobre da hospedeira me mandou esperar pelas malas do outro lado da vedação, que separava a pequena pista da estrada onde o carro do agente me aguardava. Manifestamente não fora ela quem, em Cairns, carregara as malas transferidas de Singapura. Cabendo-lhe então a tarefa contrária, era vê-la em aflições para a cumprir. Valeu-lhe, é claro, os meus pergaminhos de gentleman lusitano desrespeitando-lhe as ordens, e indo-lhe ao encontro para resgatar o que era meu.
É Lídia Jorge quem no sexto capítulo do seu «Contrato Sentimental» (2009) cita Umberto Eco para advogar que “os livros pertencem a essa classe de instrumentos que, uma vez inventados, não precisaram de ser aprimorados porque já estão suficientemente bons para serem usados para sempre, tal como o martelo, a faca, a colher ou a tesoura”.
Um livro é um bem inestimável de que não se prescinde com facilidade. Não há quem defenda a correlação entre a realização pessoal e a autoria de um livro, para além da criação de um filho ou a plantação de uma árvore? Por isso mesmo a autora de «O Dia dos Prodígios» considera que “o livro vegetal funciona como um prolongamento do corpo”. Por isso mesmo deve ser manuseado, cheirado, anotado, riscado, sublinhado, possuir marcas do seu uso. Um livro, que ficou incólume na biblioteca, sem nunca ter sido descoberto, constitui um inaceitável desperdício. E que se desmintam todas as teorias sobre a decadência da leitura, ou a supremacia definitiva das imagens sobre as palavras: em vez de rarearem todos os anos surgem novos escritores, tradutores, ilustradores e outros profissionais da indústria do livro, que a tornam mais pujante e exigente nas escolhas que nos abrigam a fazer.

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