sábado, agosto 19, 2017

(DL) Consciencializar o mal e não o conseguir erradicar

Não sendo um entusiasta da sua obra literária, confesso ter sentido alguma alegria, quando Nadine Gordimer ganhou o Nobel da Literatura em 1991, porque o mérito residia na forma como sempre utilizara os seus romances e novelas para denunciar e contrariar o apartheid.
Nascida em Springs, aldeia mineira não muito distante de Joanesburgo, desde miúda, que se habituou a ver da janela a separação entre os mineiros brancos e negros. Quando quis que lhe explicassem essa surpreendente realidade ninguém lhe soube dar uma resposta que pudesse entender. Daí por diante estaria atenta à grande diferença entre a qualidade de vida dos que viviam em bairros-da-lata e os que dispunham de agradáveis vivendas nos bairros brancos das cidades. E, no entanto, nessa terra onde nascera, o dinheiro era tanto que cresciam edifícios ao bom estilo art deco, que eram moda na Europa nesses anos vinte do século passado. As ideias políticas surgir-lhe-iam como resultado da consciência de quão desigual era a distribuição de rendimentos entre os seus concidadãos.
Ela não se contentaria em situar as suas histórias nesse ambiente mineiro: as estepes do highvelt ou o ambiente cosmopolita de Joanesburgo também figurariam como cenário de fundo de dramas sempre focalizados na segregação racial. Por muito que variassem os personagens ou os sítios onde viviam os seus dramas, motivava-a a obsessão com o desejo de uma sociedade bem diferente.
Quando Mandela foi liberto e o ANC levou por diante a democratização sul-africana, Nadine julgou possível acabar os dias numa sociedade mais justa, conforme com a utopia igualitária, que sempre a acompanhara. Claro que se desiludiu: não é apenas a vontade de um homem a virar do avesso uma cultura de opressão e de submissão. Mesmo que os oprimidos de ontem se arroguem do desejo de serem os repressores dos novos tempos.
Três anos depois do seu desaparecimento físico e com o mandato de Zuma a arrastar-se penosamente até novas eleições decidirem quem procurará fazer melhor, o legado de Gordimer ainda está por cumprir. 

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