quarta-feira, agosto 02, 2017

(DL) Salambô, a sucessora de Emma Bovary

Na segunda metade do século XIX a intelectualidade europeia andou entusiasmada com a sua própria ideia de Oriente. O do Japão, que tanto influenciou alguns dos principais pintores de então, mas também o do Médio Oriente, onde se imaginaram prazeres sensuais no segredo dos haréns e dos balneários para homens e mulheres. Napoleão lançara o interesse pelo Egipto e arqueólogos esforçavam-se para trazer à luz do dia os vestígios do passado faraónico.
Ao ver-se ameaçado pelo escândalo, que a publicação de «Madame Bovary» suscitara, Gustave Flaubert decidiu viajar até ao norte de África para se documentar com quanto lhe seria necessário para o projeto seguinte, «Salambô», que sabia corresponder a esse encanto pelos temas orientalistas. Um mês duraria a estadia na antiga Cartago, nos arredores de Tunes, enquanto em Paris se discutia a legitimidade de o processarem por «atentado aos bons costumes».
Em 24 de abril de 1858, quando desembarcou num pequeno porto tunisino próximo da capital,ele espantou-se por se ver tão imediatamente desviado do objetivo principal: em vez de começar a tomar notas sobre o que via e ouvia, deixou-se absorver com as emoções despertas a cada instante por um ambiente tão diferente do que conhecera até então.
Ao contrário do que sucedia vulgarmente com os compatriotas, Flaubert não adotou a perspetiva do colonialista: não é racista e muito menos nacionalista. Aquela alteridade encanta-o o suficiente para considerar esdrúxulas as intenções de alguns em quererem-na «civilizar».
A intriga do romance surge-lhe sem esforço: alheando-se da precisão histórica, inventa a personagem de Salambô, filha do general Amílcar, que se enamora pelo chefe dos rebeldes dispostos a derrubá-lo. O ambiente de seca, que ameaça a cidade, catapulta a tentação da violência, mas terá sido acontecimento sem fundamento, porque nesse século III d.C. a região estava bem servida de água.
Terá sido a essa e outras imprecisões factuais, que os esforçados detratores de Flaubert se agarrariam para o denegrir e dificultar o seu sucesso. Sem o conseguirem, porém: a exemplo do sucedido com o romance anterior, também este contribuiria para dele fazer um dos grandes nomes da literatura francesa.

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