domingo, agosto 13, 2017

(EdH) Singularidades com odor a pimenta

Confesso o espanto que senti, quando vi uma chinesa de hijab pela primeira vez. Chegara a Kushing, a capital da parte malaia da ilha de Bornéu, e decidira sacudir a rotina das refeições a bordo, indo jantar a terra. No restaurante deparei-me com essa cena, até então inédita ao meu olhar: embora não ignorasse a existência de populações islâmicas dentro do enorme território chinês, ver uma mulher dessa nacionalidade com um tipo de vestimenta até então apenas vista nas árabes, surpreendera-me. Mesmo que em vez do tradicional preto, tivesse a cor castanha. Mas as demais mesas espelhavam o que o agente do navio naquele porto nos confidenciara: estávamos numa terra em que a miscigenação entre as diversas etnias da sua população resultara harmoniosa, porque há muito abundam os casamentos mistos entre chineses, malaios, indianos e quem veio de outras origens para ali encontrar modo de sobreviver.
Esse melting pot  ganha ainda maior sentido, quando olhamos para o mapa e constatamos que, desde tempos imemoriais, a ilha serviu de escala para o intenso comércio marítimo entre o Mar da China e as terras das especiarias. 
No dia seguinte seria outra novidade a surpreender-me: passeando pelo mercado sentiria o forte odor da pimenta do Sarawak, entre o resinoso e o floral. Não sabia ainda que estava perante aquele que é tida como um dos condimentos tidos como dos melhores do mundo.
Quem a começou a plantar foram os chineses, que para tal mandaram vir sementes da Índia. Mas, perante o sucesso desses cultivadores primitivos, outras comunidades começaram a imitá-los, a com eles rivalizarem no negócio. Igualmente na os chineses não tardariam a perder o seu domínio dos mares, quando os viram invadidos por caravelas portuguesas e navios espanhóis ou holandeses.
Em 1839 chega à ilha um aventureiro inglês, James Brook, que compreende quão periclitante está o poder do sultão face à revolta dos súbditos.  Ajudando a vencer os opositores, Brook é nomeado rajá, instalando-se no Forte Margarita. É dali que comanda o negócio de exportar a pimenta através do vizinho porto de Singapura.
O sobrinho e sucessor, Charles, é quem impulsiona decisivamente as plantações e as exportações, contratando a mão-de-obra na comunidade chinesa, que emigra massivamente para o Sarawak e não desdenha converter-se aos costumes e crenças locais, como constatei na tal senhora do restaurante.
Hoje a pimenta do Sarawak é valorizada não só pelo seu valor enquanto mercadoria, mas por proteger as ameaçadas florestas da ilha Que estariam seriamente postas em causa se fossem derrubadas para cultivar as malfadadas palmeiras destinadas a produzir óleo de palma.

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