quarta-feira, agosto 30, 2017

(DL) A sordidez dos pais que vendiam os filhos para serem limpa-chaminés

No «Ronda da Noite» excelente programa que Luis Caetano anima na Antena 2 quatro vezes por semana, surge regularmente Ana Luísa Amaral para com ele apresentar uma proposta poética, primeiro na língua original, depois na sua versão traduzida. É «O Som que os Versos Fazem ao Abrir».
Há alguns meses atrás esteve em foco «O Limpa-Chaminés», criado por William Blake para as suas «Canções de Inocência», criadas em 1789, ano da Revolução Francesa, que ele muito prezaria ou não se desse na época com todos os que tinham pensamentos radicais.
O poema é uma sátira ferocíssima à igreja e à forma como era assumida a paternidade nesses finais do século XVIII. Porque o narrador desse poema é um miúdo, que ficou órfão de mãe e se viu vendido pelo pai para ser limpa-chaminés. Só corpos franzinos de crianças cabiam nos exíguos espaços onde tinham de retirar a fuligem, escravizados por donos que nada deviam aos piores personagens, que Charles Dickens depois incluiria nos seus romances. Algumas dessas crianças tinham apenas quatro anos, quando eram iniciadas em tão terrível trabalho!
Por tão negra condição, esses miúdos tinham uma esperança de vida muito curta, porque os pulmões depressa se atolavam com as cinzas, que estavam incumbidos de desincrustar das chaminés londrinas.
No poema em causa o narrador tenta consolar um companheiro de infortúnio, Tom Dracre, que perde o medo perante a hipótese de chegar ao céu e ser tomado por Deus como seu filho amado. E já nem chora os caracóis loiros, que lhos cortaram, quando se juntou aos tristes oficiais do seu novo ofício, animado por tão excelente perspetiva, que lhe é ditada por um anjo em sonhos:

“When my mother died I was very young, 
And my father sold me while yet my tongue 
Could scarcely cry " 'weep! 'weep! 'weep! 'weep!" 
So your chimneys I sweep & in soot I sleep. 

There's little Tom Dacre, who cried when his head 
That curled like a lamb's back, was shaved, so I said, 
"Hush, Tom! never mind it, for when your head's bare, 
You know that the soot cannot spoil your white hair." 

And so he was quiet, & that very night, 
As Tom was a-sleeping he had such a sight! 
That thousands of sweepers, Dick, Joe, Ned, & Jack, 
Were all of them locked up in coffins of black; 

And by came an Angel who had a bright key, 
And he opened the coffins & set them all free; 
Then down a green plain, leaping, laughing they run, 
And wash in a river and shine in the Sun. 

Then naked & white, all their bags left behind, 
They rise upon clouds, and sport in the wind. 
And the Angel told Tom, if he'd be a good boy, 
He'd have God for his father & never want joy. 

And so Tom awoke; and we rose in the dark 
And got with our bags & our brushes to work. 
Though the morning was cold, Tom was happy & warm; 
So if all do their duty, they need not fear harm.” 

Depois de ouvir um texto tão pungente tem de se dar razão a Luís Caetano, quando afirma não se poder considerar o coro dos limpa-chaminés de «Mary Poppins» da mesma forma.


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