domingo, agosto 13, 2017

(DL) Crimes que ficaram sem a devida punição

Quase trezentas pessoas de origem judaica chegaram a Vilar Formoso em 7 de novembro de 1940, escoltadas por guardas da Gestapo uniformizados. O objetivo era o de alcançarem Lisboa para embarcarem para o outro lado do Atlântico, de acordo com os vistos (na maioria falsos), que tinham comprado antes do comboio partir do Luxemburgo.
Tratava-se do terceiro comboio com refugiados, que chegava à fronteira depois de outros dois terem ali parado, um em agosto, outro em outubro. O primeiro passara sem grandes dificuldades, o segundo já encontrara maior relutância das autoridades lusas. O terceiro não passou e foi mandado para trás ao fim de dez dias, que constituíram um tormento insuportável para quem ali esteve sujeito ao frio, à fome e à privação de acesso a casas de banho. Valeu-lhes a população da aldeia fronteiriça portuguesa, que se organizou para fazer chegar pão e sopa aos desgraçados.
Dado que os dejetos tinham de ser atirados da janela para a linha férrea, o maquinista ia avançando ou recuando uns metros diariamente para evitar o cheiro nauseabundo por eles suscitado.
Só ao sexto dia é que a chegada de um inspetor da PVDE permitiu breves saídas das composições para o recurso às casas de banho da estação.
Salazar tomou então a decisão criminosa, que deveria ter justificado o seu julgamento no Tribunal Internacional criado após a Segunda Guerra Mundial para apurar as responsabilidades dos que tinham perpetrado crimes contra a Humanidade. É que, mandando o comboio de volta para a fronteira francesa, o ditador condenava todas essas pessoas a uma morte certa. Só assim não ocorreu, porque os franceses também recusaram entrada aos refugiados, internando-os num campo de prisioneiros perto de Bayonne e depois facilitando-lhes a fuga. Mas cinquenta desses infelizes decidiram ficar na França ocupada sem imaginarem que nenhuma proteção os salvaria das câmaras de gás.
Será que esses condenados terão lembrado essa fronteira, que os separara da liberdade, quando se viram à beira do martírio? Não podemos imaginar, mas Margarida Magalhães Ramalho e Irene Pimentel entrevistaram dois dos sobreviventes desse episódio ainda vivos e eles quase o tinham esquecido, tão traumática havia sido a provação. O livro, que publicaram este ano na Esfera dos Livros - «O Comboio do Luxemburgo» - desmente quem ainda possa teimar em não reconhecer o carácter crapuloso do ditador de Santa Comba Dão. É, por isso mesmo, de leitura obrigatória.


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