segunda-feira, agosto 07, 2017

(DL) Matias Fluss no seu labirinto

Chego quase a meio de «O Deslumbre de Cecília Fluss» e a personagem do título ainda não desapareceu. O que se confirma, até aqui, é o talento de João Tordo na criação de uma narrativa bem construída e o recurso a um estilo que, de romance para romance, se depreende mais apurado.
É Matias Fluss o narrador da história. Sabemo-lo homem de idade avançada, embora decidido a recuar a memória até à época dos seus catorze anos, por muito que adivinhe significativas diferenças entre o efetivamente acontecido e o que efabulou desde então. Separar a realidade do que sobre ela se construiu constitui esforço inglório, porque a recriação sobressai amiúde convencendo-nos de ter sido ela a versão mais verdadeira.
Nesse seu estar adolescente Matias obceca-se com o sexo e com Buda, perturbando-se entre a realização dos desejos hormonais e a renúncia imposta pela doutrina com que se vê contagiado por um professor. À sua volta convive com a mãe, sempre melancólica; com os amigos que se dividem entre os que a si mais se assemelham (Erland ou o Coxo) e os mais abrutalhados, até na forma como deturpam a relação do sexo com os sentimentos; com a namorada Nadia, que lhe proporciona prazeres onanísticos, mas proíbe qualquer toque abaixo da cintura; ou com o tio Elias, cuja loucura não o parece diferenciar do seu estado normal.
É, porém, a irmã, Cecília, a influir seriamente nessa fase determinante da vida: iniciada nos mistérios da sexualidade por um desconhecido, neles não acolhe qualquer satisfação. Pelo contrário parece condenar-se a um beco sem saída, que se traduzirá na tragédia anunciada para a segunda metade do romance.
Prestes a acabar mais um ano letivo, Matias sente-se num impasse contraditório em que se pressente demasiado inepto para superar as iminentes crises. 

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